Artigo de Vera Maria Fonseca de Almeida e Val, bióloga e pesquisadora titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, para o Jornal da Ciência
Em tempos de crise, tanto econômica como política, como esta que estamos vivendo, há sempre um sentimento de incerteza quanto ao futuro e receio do que pode nos atingir hoje. Desde 2015 estamos nesta “corda bamba” que parece não ter fim. Como otimista que sou não perco a esperança de que esse vale de corrupção, que nunca foi tão profundo no Brasil, vai ser superado e que estaremos subindo “a montanha” em muito breve.
Um aspecto deste cenário deve nos preocupar, no entanto, e muito; a dupla função das agências de fomento que foram forjadas no País para fomentar e, ao mesmo tempo, regular as ações acadêmicas dos cientistas financiados. Ou seja, fomenta o pesquisador e, ao mesmo tempo, determina as regras da meritocracia e do desempenho do mesmo e das instituições/programas de Pós-Graduação aos quais pertence.
Entendo que o propósito desse formato tenha sido acelerar e melhorar a qualidade do desenvolvimento científico e tecnológico no País. Intenção mais nobre não poderia existir. Entretanto, nas últimas duas décadas, a competitividade e o entendimento do que é desenvolvimento tem sido um mote não muito compatível com o real desenvolvimento necessário a um país soberano. Um país desenvolvido tem na educação e no conhecimento científico a prioridade para formar cidadãos de bem que possam atuar para a melhoria do bem estar geral da população, que necessita ter garantidos acesso a bens e serviços fundamentais: escolas, hospitais, saneamento básico, transporte, trabalho.
Lamentavelmente, o que essas agências buscaram nos últimos anos foi o aumento do conhecimento medido por meio de trabalhos científicos publicados em revistas de forte impacto e por meio de patentes. De fato, essa seria a melhor medida se, paralelamente a isso, atingíssemos uma maior aplicação deste conhecimento para a melhoria do nosso IDH, para a melhoria do curriculum mínimo básico e médio oferecido às crianças e aos jovens, bem como para a melhoria da profissionalização do brasileiro.
Iniciamos no caminho certo e, em algum momento, nos desviamos do mesmo para nos concentrarmos numa estatística perversa onde os números valem mais do que a saúde daquele que atua neste cenário.
O crescente relato mundial de casos de cientistas, professores universitários ou pesquisadores e de pós-graduandos acometidos por males de saúde como diabetes tipo 2 (estresse), depressão, síndromes de pânico, entre outros males, chega a ser alarmante. Nesse atual momento, vivemos quase que uma epidemia de depressão dentre pós-graduandos e pós-docs no mundo todo e o Brasil não escapa desse mesmo mal. Entretanto, no Brasil, este assunto é um tabu, como apontou o professor Sergio Arthuro, médico e neurocientista da UFRN que redigiu um texto abordando este tema em 2016 e, desde então há muitos depoimentos na internet e nas redes sociais mas não há estatísticas. Arthuro também aponta o pós-graduando como ‘o elo mais fraco da corrente’ por muitos motivos além dos aqui citados.
O importante é que agora algo terá que mudar nesse cenário. Um repensar é urgente, necessário e saudável. A pressão e a cobrança de prazos é incompatível com o atual cenário de financiamento. Como exigir dos Programas de Pós-Graduação a produção e os prazos impostos nas últimas avaliações com os cortes de recursos, dentre os quais, o tão alarmante corte de 40% no orçamento? E quanto às assimetrias na distribuição desses mesmos recursos nas diferentes regiões do país nas quais a velocidade e a atmosfera acadêmica são tão distintas? Como farão os laboratórios de todo Brasil que estão sem recursos para continuar as teses de seus pós-graduandos? Como cobrar celeridade e prazos desses pós-graduandos? Como manter as notas nas avaliações trienais, tão temidas pelos programas de PG?
Mas, a pergunta que não quer calar agora é: Qual a nossa prioridade neste exato momento? No presente cenário, a prioridade deve ser o pós-graduando; este que é o principal ator gerador de ideias, conhecimento e resultados, e que necessita todo o apoio da sociedade científica, pois, além da pressão, tem sua função desvalorizada a ponto de receber menos que um recém graduado e desenvolve trabalhos e conhecimentos de alto nível científico e tecnológico. Como esperar de um doutorando bom desempenho com uma bolsa equivalente a menos que duas vezes e meia o valor do salário mínimo do país? Como esperar dedicação exclusiva de um mestrando com uma bolsa que equivale a pouco mais de uma vez e meia o salário mínimo. Empregados de nível médio recebem um salario mínimo mais vantagens trabalhistas que equivalem a um mestrando que está aprendendo a pensar no desenvolvimento do país!!
Penso que, da mesma maneira que há urgências a demandar ações imediatas, o Brasil deve iniciar ações para reparar o problema que nossos pós-graduandos estão sofrendo, em particular a depressão causada, entre outros fatores, pelo desencantamento de atuar em meio a uma chuva de decepções, incluindo discursos de que o melhor é sair do país para poder atuar mais dignamente!!
É preciso que as Sociedades Acadêmicas brasileiras atentem para esse elo da corrente que está tão frágil e ao mesmo tempo poderá ser o mais forte e fundamental num futuro próximo, na construção de um país mais digno e descente, com ética e com o necessário reconhecimento da ciência como base para a indústria, para o agronegócio e para a saúde. Será necessária a criação de órgãos de apoio aos estudantes pós-graduandos nas instituições superiores, tanto quanto a criação de comissões que pensem em medidas para atenuar o impacto da falta de recursos no cumprimento das atuais regras. Urge a rediscussão do papel da formação de mestres e doutores em nosso país para que os programas de pós-graduação possam implantar a necessária correção de rumos. Corrigir rumos não é negar o passado, é aprender com os acertos e erros e acrescentar melhores práticas para atingir melhor os objetivos e as metas. Vamos fortalecer esse elo pra que a corrente não se quebre e para que evitemos uma evasão de cérebros mais desastrosa do que a atual.
Em tempos de crise, tanto econômica como política, como esta que estamos vivendo, há sempre um sentimento de incerteza quanto ao futuro e receio do que pode nos atingir hoje. Desde 2015 estamos nesta “corda bamba” que parece não ter fim. Como otimista que sou não perco a esperança de que esse vale de corrupção, que nunca foi tão profundo no Brasil, vai ser superado e que estaremos subindo “a montanha” em muito breve.
Um aspecto deste cenário deve nos preocupar, no entanto, e muito; a dupla função das agências de fomento que foram forjadas no País para fomentar e, ao mesmo tempo, regular as ações acadêmicas dos cientistas financiados. Ou seja, fomenta o pesquisador e, ao mesmo tempo, determina as regras da meritocracia e do desempenho do mesmo e das instituições/programas de Pós-Graduação aos quais pertence.
Entendo que o propósito desse formato tenha sido acelerar e melhorar a qualidade do desenvolvimento científico e tecnológico no País. Intenção mais nobre não poderia existir. Entretanto, nas últimas duas décadas, a competitividade e o entendimento do que é desenvolvimento tem sido um mote não muito compatível com o real desenvolvimento necessário a um país soberano. Um país desenvolvido tem na educação e no conhecimento científico a prioridade para formar cidadãos de bem que possam atuar para a melhoria do bem estar geral da população, que necessita ter garantidos acesso a bens e serviços fundamentais: escolas, hospitais, saneamento básico, transporte, trabalho.
Lamentavelmente, o que essas agências buscaram nos últimos anos foi o aumento do conhecimento medido por meio de trabalhos científicos publicados em revistas de forte impacto e por meio de patentes. De fato, essa seria a melhor medida se, paralelamente a isso, atingíssemos uma maior aplicação deste conhecimento para a melhoria do nosso IDH, para a melhoria do curriculum mínimo básico e médio oferecido às crianças e aos jovens, bem como para a melhoria da profissionalização do brasileiro.
Iniciamos no caminho certo e, em algum momento, nos desviamos do mesmo para nos concentrarmos numa estatística perversa onde os números valem mais do que a saúde daquele que atua neste cenário.
O crescente relato mundial de casos de cientistas, professores universitários ou pesquisadores e de pós-graduandos acometidos por males de saúde como diabetes tipo 2 (estresse), depressão, síndromes de pânico, entre outros males, chega a ser alarmante. Nesse atual momento, vivemos quase que uma epidemia de depressão dentre pós-graduandos e pós-docs no mundo todo e o Brasil não escapa desse mesmo mal. Entretanto, no Brasil, este assunto é um tabu, como apontou o professor Sergio Arthuro, médico e neurocientista da UFRN que redigiu um texto abordando este tema em 2016 e, desde então há muitos depoimentos na internet e nas redes sociais mas não há estatísticas. Arthuro também aponta o pós-graduando como ‘o elo mais fraco da corrente’ por muitos motivos além dos aqui citados.
O importante é que agora algo terá que mudar nesse cenário. Um repensar é urgente, necessário e saudável. A pressão e a cobrança de prazos é incompatível com o atual cenário de financiamento. Como exigir dos Programas de Pós-Graduação a produção e os prazos impostos nas últimas avaliações com os cortes de recursos, dentre os quais, o tão alarmante corte de 40% no orçamento? E quanto às assimetrias na distribuição desses mesmos recursos nas diferentes regiões do país nas quais a velocidade e a atmosfera acadêmica são tão distintas? Como farão os laboratórios de todo Brasil que estão sem recursos para continuar as teses de seus pós-graduandos? Como cobrar celeridade e prazos desses pós-graduandos? Como manter as notas nas avaliações trienais, tão temidas pelos programas de PG?
Mas, a pergunta que não quer calar agora é: Qual a nossa prioridade neste exato momento? No presente cenário, a prioridade deve ser o pós-graduando; este que é o principal ator gerador de ideias, conhecimento e resultados, e que necessita todo o apoio da sociedade científica, pois, além da pressão, tem sua função desvalorizada a ponto de receber menos que um recém graduado e desenvolve trabalhos e conhecimentos de alto nível científico e tecnológico. Como esperar de um doutorando bom desempenho com uma bolsa equivalente a menos que duas vezes e meia o valor do salário mínimo do país? Como esperar dedicação exclusiva de um mestrando com uma bolsa que equivale a pouco mais de uma vez e meia o salário mínimo. Empregados de nível médio recebem um salario mínimo mais vantagens trabalhistas que equivalem a um mestrando que está aprendendo a pensar no desenvolvimento do país!!
Penso que, da mesma maneira que há urgências a demandar ações imediatas, o Brasil deve iniciar ações para reparar o problema que nossos pós-graduandos estão sofrendo, em particular a depressão causada, entre outros fatores, pelo desencantamento de atuar em meio a uma chuva de decepções, incluindo discursos de que o melhor é sair do país para poder atuar mais dignamente!!
É preciso que as Sociedades Acadêmicas brasileiras atentem para esse elo da corrente que está tão frágil e ao mesmo tempo poderá ser o mais forte e fundamental num futuro próximo, na construção de um país mais digno e descente, com ética e com o necessário reconhecimento da ciência como base para a indústria, para o agronegócio e para a saúde. Será necessária a criação de órgãos de apoio aos estudantes pós-graduandos nas instituições superiores, tanto quanto a criação de comissões que pensem em medidas para atenuar o impacto da falta de recursos no cumprimento das atuais regras. Urge a rediscussão do papel da formação de mestres e doutores em nosso país para que os programas de pós-graduação possam implantar a necessária correção de rumos. Corrigir rumos não é negar o passado, é aprender com os acertos e erros e acrescentar melhores práticas para atingir melhor os objetivos e as metas. Vamos fortalecer esse elo pra que a corrente não se quebre e para que evitemos uma evasão de cérebros mais desastrosa do que a atual.
Postado por David Araripe
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