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"Em 5 anos poderemos ter um tratamento eficaz contra o Parkinson"

Segundo a cientista brasileira Elaine Del Bel, um antibiótico barato pode proteger os neurônios e resgatar a qualidade de vida de quem sofre com a doença

Uma pesquisa brasileira descobriu que um medicamento barato, que já existe no mercado, pode ser a esperança para o tratamento de quem sofre com o Parkinson. Um antibiótico chamado doxiciclina, utilizado há cinquenta anos no tratamento de casos graves de acne, pode ser capaz de proteger os neurônios afetados pela doença degenerativa, que atinge o sistema nervoso central.

A fisiologista Elaine Del Bel, uma das líderes da equipe responsável pela descoberta, percebeu, quase por acaso, que a droga era capaz de evitar que camundongos sofressem com a destruição das células. Até o momento, todos os tratamentos disponíveis apenas aliviam os sintomas do Parkinson. Mas a pesquisa brasileira pode ser capaz de tratar uma das reações químicas relacionadas à síndrome e resgatar a qualidade de vida de quem sofre com a patologia.

As últimas conclusões do estudo feitas em conjunto com institutos internacionais e publicadas recentemente na revista Scientific Reports, do prestigiado grupo Nature, revelam o funcionamento da doxiciclina no cérebro, um passo fundamental antes de testes em humanos para que, futuramente, a substância possa funcionar como um tratamento. “Se todas as conclusões foram confirmadas, em cerca de cinco anos o medicamente deve estar liberado e poderemos ter um tratamento eficaz contra o Parkinson”, afirmou Elaine ao site de VEJA.

Nesta entrevista, a cientista que estuda a doença há duas décadas na USP de Ribeirão Preto, conta como aconteceu a descoberta e de que forma um antibiótico simples poderia barrar o avanço da Parkinson que atinge cerca de 5 milhões de pessoas em todo o mundo.

O primeiro estudo sobre os efeitos da doxiciclina em Parkinson é de 2013. Por que só agora se percebeu que a droga pode ser um tratamento eficaz? A descoberta aconteceu quase por acaso, em 2011, quando um ex-aluno estudava a doença no Instituto de Medicina Experimental Max Planck, na Alemanha. Ele estava introduzindo o Parkinson em camundongos para observar as lesões no cérebro. Contudo, quando começaram as análises dos cérebros dos roedores, ele observou que, de quarenta, apenas dois estavam com Parkinson. Depois de revisar todos os procedimentos, ele percebeu que a ração que havia dado aos camundongos continha o antibiótico doxiciclina. A partir desse ponto, a pesquisa tomou outro rumo: repetimos o experimento com esse medicamento e, após vários testes e análises, constatamos que ele realmente protege os neurônios nos estágios iniciais do Parkinson. O medicamento é capaz de evitar a degeneração e a consequente progressão da doença. Publicamos a descoberta em 2013, mas faltava mapear como a droga age no cérebro, para analisar de que maneira ela é capaz de ter todos esses efeitos na enfermidade. O estudo com essas conclusões foi publicado no início deste ano.

Qual a importância dessa descoberta para os portadores da síndrome, que, só no Brasil, afeta cerca de 200.000 pessoas? Segundo nosso estudo, a doxiciclina poderia atuar como um retardador do Parkinson. Ela tem o potencial de impedir sua evolução – ou seja, representa uma grande esperança para quem sofre com ela. Depois da publicação, muitos parkinsonianos me procuraram, voluntariando-se para os testes que, se tudo correr bem, devem ser feitos em breve. Doenças degenerativas como o Parkinson são muito cruéis, pois impedem que as pessoas realizem as tarefas do cotidiano – o indivíduo não consegue ficar parado, abotoar um botão ou se alimentar.

Por que o estudo está sendo considerado tão promissor? Até o momento, todas as linhas de pesquisa focam no tratamento de sintomas, já que a causa do Parkinson é desconhecida. Os Institutos Nacionais de Saúde americanos (NIH, na sigla em inglês), nos Estados Unidos, conduzem diversos estudos de ponta nesse sentido. Contudo, nosso estudo é o primeiro que analisa uma substância que age como um neuroprotetor, blindando o cérebro das lesões causadas pela doença. A doxiciclina, um antibiótico barato, usado há cinquenta anos no tratamento de casos graves de acne e inflamações na gengiva, é a única conhecida a ter esse efeito. Por ser tão acessível, já testada em humanos e com implicações tão positivas, a doxiciclina é tão inovadora para o tratamento de Parkinson.

Como o antibiótico atua no cérebro com o Parkinson? Doenças neurodegenerativas, como essa, apresentam o que chamamos de marcadores, algo que os médicos identificam como o indício da patologia. Quem tem Parkinson exibe a formação de corpúsculos de Lewy, um acúmulo anormal de proteínas nas células cerebrais. Ela acontece quando uma proteína cerebral, chamada α-sinucleína, se quebra em pequenos pedaços e se amontoa, formando agregados insolúveis, causando a morte do neurônio. Nessa última fase da pesquisa, nós observamos que a doxiciclina impede a formação dessa estrutura, evitando a degradação do sistema nervoso.

Ou seja, ela protege contra um dos mecanismos relacionados à doença, já que não conhecemos suas causas? Nossos estudos em camundongos mostraram que sim. Mas ainda precisamos verificar como ele atua no cérebro humano e fazer estudos sobre as consequências em longo prazo. Atualmente, o tratamento de Parkinson é a reposição de dopamina, um neurotransmissor que cai a níveis baixíssimos em seus portadores, por meio de comprimidos uma ou duas vezes ao dia. A dose depende do estágio da doença e funciona como a injeção de insulina em diabéticos, já que os parkinsonianos não produzem a dopamina. O problema é que o tratamento funciona apenas de cinco a dez anos. Depois disso, o paciente apresenta diversos efeitos colaterais, como movimentos involuntários – uma das piores consequências do Parkinson. Com a doxiciclina esperamos barrar o avanço da doença para que esses efeitos sejam atrasados ou eliminados.

Há alguma previsão para que o tratamento esteja disponível para os pacientes? Até agora temos resultados confiáveis em animais e outras conclusões sobre as consequências do tratamento serão publicadas até o fim do ano. Não observamos qualquer efeito negativo nos camundongos, mas não sabemos como será a reação em humanos. A ingestão da doxiciclina deve ser contínua e precisamos descobrir se não fará mal em cinco ou dez anos, já que isso não é observável em modelos animais. Para testar a medicação em portadores da doença, vamos submeter um projeto à Fundação Michael J. Fox para Pesquisa do Parkinson, que fica nos Estados Unidos. Se for aceito, os testes em cerca de quinhentos pacientes levariam pouco mais de um ano, a um custo de nove milhões e meio de reais. Como a doxicilina já é utilizada há mais de meio século contra infecções bacterianas em doses ainda mais altas que as necessárias para proteger o cérebro do Parkinson, a trajetória para ela chegar até os pacientes é mais curta. Se tudo correr bem, em cinco anos, o antibiótico deve estar liberado para o tratamento da doença. Imaginamos que isso seja feito com comprimidos diários.

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