A compreensão da atividade dessa quinase e sua manipulação genética abririam novas perspectivas para aumentar a quantidade e a qualidade da biomassa
As moléculas de açúcares, resultantes da fixação do CO2 pela
fotossíntese, constituem a fonte primária de energia bioquímica que
sustenta o crescimento e o desenvolvimento das plantas. Em condições
ambientais adequadas, quanto mais energia disponível maior a eficiência
do crescimento e, consequentemente, maior o acúmulo de biomassa. Esta
inclui a celulose como a principal fonte de carbono para produção da
chamada bioenergia de segunda geração. E a proteína TOR pode ser uma
chave para otimizar o processo.
Esta enzima do tipo quinase, cuja sigla deriva da expressão em língua inglesa Target of Rapamycin,
foi descoberta graças ao antibiótico rapamicina, que é capaz de
bloquear sua ação. Desde a descoberta, diversos estudos indicam um papel
fundamental da TOR no processo de crescimento e divisão celular de
todos os seres eucariotos – ou seja, aqueles constituídos por células
dotadas de núcleo. Assim, a TOR é quase onipresente no mundo vivo,
regulando o crescimento de uma gama de seres que vai dos fungos aos
humanos.
Um artigo de revisão – do qual participaram os brasileiros Camila Caldana e Michel Vincentz –, publicado na Annual Review of Plant Biology, destacou o papel dessa quinase na regulação dos processos vitais: “TOR Signaling and Nutrient Sensing”.
Camila Caldana é pesquisadora do Laboratório Nacional de Ciência e
Tecnologia do Bioetanol (CTBE), do Centro Nacional de Pesquisa em
Energia e Materiais (CNPEM), e Michel Vincentz é professor do Instituto
de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp). Ambos têm
apoio da Fapesp para suas pesquisas.
Caldana é apoiada pela Fapesp por meio do programa Jovens
Pesquisadores (Apoio a Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes), com a
pesquisa “Regulação do crescimento pela via ‘target of rapamycin’ (TOR) em plantas”.
Vincentz recebe auxílio à pesquisa regular da Fapesp para desenvolvimento da pesquisa “Definir a arquitetura da rede de regulação gênica de AtbZIP63: um fator de transcrição do tipo bZIP de Arabidopsisthaliana envolvido no controle da homeostase energética”.
“A integração entre sinais ambientais, como água, nutrientes,
temperatura e luz, e os processos intracelulares, como crescimento
celular e metabolismo, é condição para a vida. Para poderem sobreviver e
se multiplicar, as células precisam responder de forma adequada ao
ambiente. Uma das vias de sinalização que garantem essa integração
envolve a quinase TOR”, disse Vincentz à Agência Fapesp.
“Se os fatores ambientais são favoráveis, essa via é disparada para
que a multiplicação e o crescimento celular ocorram. Quando os fatores
ambientais se tornam desfavoráveis, ela é interrompida, e outras vias,
entre elas a comandada pela quinase SnRK1, de função antagônica, passam a
ser ativadas, assegurando a preservação do metabolismo energético até
que a condição propícia se restabeleça”, prosseguiu.
Considerando apenas dois entre muitos exemplos possíveis, a TOR
participa tanto do crescimento das plantas quanto de carcinomas. Nas
plantas, esse crescimento pode ter grande interesse, pois promove a
produtividade e a produção de biomassa. No câncer, ao contrário,
busca-se o desenvolvimento de drogas que suscitem a inibição da
multiplicação celular. Daí a importância de se estudar em profundidade a
atuação dessa proteína, seus alvos e antagonistas.
“Enquanto a TOR promove o crescimento, a SnRK1 o limita, fazendo com
que a planta redirecione seu metabolismo e passe a utilizar suas
reservas. Nossos estudos mostraram que essas duas quinases antagônicas
desempenham papéis centrais no uso balanceado de carbono e no
metabolismo energético, entre outros processos. Então, há um grande
interesse em entender como as duas vias interagem”, afirmou Caldana.
Em experimentos recentes, os dois pesquisadores obtiveram mutantes da planta-modelo Arabidopsis thaliana por
meio do “silenciamento condicional” da TOR. O “silenciamento
condicional” é um procedimento que permite o controle temporal e
quantitativo da expressão gênica. A inibição da atividade de TOR
resultou em alterações no metabolismo de energia, lipídios e carbono,
com o acúmulo de aminoácidos, amido e triacilglicerídeos.
“Por meio desse sistema, é possível controlar o crescimento da planta
até que ela atinja uma determinada biomassa. Uma vez que esse estágio
tenha sido alcançado, o silenciamento, seguido de uma reprogramação
metabólica, poderia resultar na produção e no acúmulo de fontes de
açúcares, potencialmente envolvidos em vários aspectos da
produtividade”, ponderou Caldana.
“A compreensão dos mecanismos que controlam o direcionamento adequado
do carbono para otimização do crescimento em um ambiente flutuante pode
abrir perspectivas para a manipulação de rotas de conversão e
manipulação dos carboidratos para desenvolver uma agricultura mais
eficiente e respeitosa ao meio ambiente, no contexto das mudanças
climáticas”, concluiu a pesquisadora.
Postado por Hadson Bastos
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