Pular para o conteúdo principal

Morre o pai do Sirius, acelerador de partículas brasileiro: "era um gênio"

Ricardo Rodrigues, responsável pelo Sirius - Julio Fujikawa/Fapesp
Ricardo Rodrigues, responsável pelo Sirius
Imagem: Julio Fujikawa/Fapesp

Antonio Ricardo Droher Rodrigues faleceu na sexta-feira, 3 de janeiro, aos 68 anos. Engenheiro civil formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutor em Física pelo King's College, University of London, foi responsável pelo projeto dos aceleradores dos dois síncrotrons brasileiros: o UVX, o primeiro do hemisfério Sul, inaugurado em 1997, e o Sirius, seu sucessor, em fase final de comissionamento, ambos no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas.

Era casado com Liu Lin, líder do grupo de Física de Aceleradores do LNLS, e deixa três filhos: Erica, Kevin e Ian. Seu corpo foi cremado no sábado, em Campinas.

"Ricardo foi um engenheiro genial, responsável pela parte principal no projeto do primeiro Síncrotron UVX. Foi também quem projetou o Sirius e dirigiu as operações que levaram ao seu sucesso como grande obra instrumental para a ciência, inteiramente projetado e, em grande parte [80%], construído no Brasil", diz Rogério Cezar Cerqueira Leite, presidente do Conselho do CNPEM. "Além do mais, foi sempre um pesquisador dedicado, gentil e modesto. Enfim, um exemplo de cientista e cidadão para todos os brasileiros."

Em tratamento de um câncer no pulmão, Ricardo Rodrigues não presenciou a primeira volta de elétrons no anel de Sirius, em 25 de novembro de 2019, e nem estava presente quando a equipe conseguiu armazenar elétrons por várias horas no acelerador, em 14 de dezembro do mesmo ano. Mas apareceu para uma foto dois dias depois, quando a equipe conseguiu gerar corrente suficiente para fazer chegar a luz síncrotron pela primeira vez em uma das futuras estações experimentais do Sirius . "Fizemos por ele. E ele ficou muito feliz", diz Antonio José Roque da Silva, diretor-geral do CNPEM.

"O Ricardo era um gênio", afirma o físico Cylon Gonçalves da Silva, que liderou o projeto de construção de UVX, no início dos anos 1980 e que dirigiu o LNLS de 1986 a 1998. "Conheci muita gente excepcional, mas inteligência técnica e capacidade criativa como a dele eu nunca vi. Não era vaidoso, mas sabia o que valia. Era um líder extraordinário pela generosidade. A comunidade brasileira deve muito a ele."

O "homem da máquina"

No segundo ano de graduação na engenharia civil da UFPR, Ricardo Rodrigues começou a estudar óptica de raios X, orientado por Cesar Cusatis, coordenador do Laboratório de Óptica de Raios X e Instrumentação no Departamento de Física. "Era uma pessoa excepcional", lembra Cusatis. "Saiu da graduação e foi imediatamente aceito como aluno de doutorado no King´s College, tendo como orientador Michael Hart, o inventor do interferômetro de raios X", conta Cusatis. "Quando voltou ao Paraná foi um suporte fundamental para nosso laboratório", ele conta.

Três anos depois, transferiu-se para o Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), de São Carlos, onde Cusatis tinha feito o doutorado na área de cristalografia de RX, orientado por Ivone Mascarenhas. "Ricardo Rodrigues é um cientista de alto padrão e um dos personagem mais importantes na história recente da ciência brasileira", diz Sérgio Mascarenhas, professor aposentado do Instituto de Física da USP de São Carlos.

Essa trajetória conferiu a Ricardo Rodrigues uma formação excepcional. "Tinha uma visão prática, conferida pela engenharia, interessava-se por eletrônica e, ainda durante a graduação, fez iniciação científica em óptica e instrumentação de raios X", afirma o diretor-geral do CNPEM.

Assim, quando Roberto Lobo, presidente do Centro Brasileiro de Pesquisa Física (CBPF), começou a montar o Comitê Executivo do Projeto Radiação Síncrotron - que daria origem ao primeiro síncrotron brasileiro e ao LNLS - Ricardo Rodrigues era um candidato natural. "Era só dizer que um projeto era difícil que ele mordia a isca", afirma Cylon Gonçalves.

Ricardo Rodrigues passou a integrar o Comitê Executivo do projeto em outubro de 1983. Dois anos depois, aos 33 anos, coordenou a equipe de engenheiros e físicos que desenvolveu o projeto do anel acelerador no Stanford Syncrontron Radiation Laboratory (SSRL), nos Estados Unidos, sob orientação de Helmut Wiedemann.

"Não tinha ninguém que sabia fazer isso aqui no Brasil e fomos lá aprender", contou o próprio Ricardo Rodrigues em entrevista ao site O mundo da usinagem, em 2019. Quando o UVX começou a ser construído, em 1986, Ricardo Rodrigues já era conhecido como o "homem da máquina", conta Marcelo Baumann Burgos no livro Ciência na Periferia: A Luz Síncrotron Brasileira. Um ano depois assumia a posição de chefe da Divisão de Projetos do então recém-criado Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS).

O projeto desenvolvido em Stanford, conhecido como Projeto 1, era mais moderno e arrojado do que foi possível construir. A partir de meados dos anos 1980, a falta de recursos, além de comprometer o cronograma do UVX, exigiu que a equipe liderada por Ricardo Rodrigues revisasse os parâmetros da máquina: o acelerador, inicialmente projetado para uma energia de 3 GeV, foi redesenhado para operar com 1,15 GeV.

O UVX foi inaugurado em 1997. Quatro anos depois, quando Cylon Gonçalves deixou a direção do LNLS, Ricardo Rodrigues demitiu-se. "Depois de 15 anos de trabalho intenso, estávamos todos exaustos, estressados", lembra Cylon Gonçalves.

Voltou em 13 de agosto de 2009, atendendo a um convite de José Roque, que acabara de assumir a direção do LNLS com o compromisso de iniciar o projeto de construção de um novo síncrotron. O sim veio depois de um almoço de mais de duas horas. "Ele me perguntou se valeu a pena ter construído o primeiro síncrotron. Respondi que o UVX foi fundamental para o treinamento de pessoas para dar um salto mais competitivo com uma nova máquina. Além disso, era a chance de ele realizar o sonho de fazer um equipamento de fronteira", afirma o diretor-geral do CNPEM.

Quando iniciou o projeto Sirius, Ricardo Rodrigues era, novamente, o homem certo, no lugar certo. O novo síncrotron, de quarta geração, foi concebido no estado da arte da tecnologia, comparando-se apenas ao Max IV, inaugurado em junho de 2016 na Suécia.

"O projeto inicial era fazer uma máquina de terceira geração e, então, o comitê avaliou que todos no mundo já estavam pensando em quarta. Em um mês, refizemos todo o projeto de óptica da máquina e mudamos a câmara de vácuo, que precisava ser de cobre. Foi um bom aquecimento. Hoje temos uma máquina melhor que a do Max IV", disse Ricardo Rodrigues na entrevista ao site O mundo da Usinagem. Foi ele quem liderou a equipe do LNLS no redesenho da rede magnética para que o brilho de Sirius - de 0,28 nm.rad - fosse o mais intenso entre todos os síncrotrons em operação, lembra José Roque.

A nova máquina, que deverá iniciar a operação ainda este ano, possibilitará a realização de pesquisa competitiva, impossível de ser realizada hoje no Brasil com o síncrotron atual. As seis primeiras estações experimentais de pesquisa - nanoscopia de raios X, espalhamento coerente de raios X, micro e nanocristalografia macromolecular, por exemplo - foram selecionadas para atender tanto às novas demandas da ciência e da tecnologia, como para permitir o avanço de investigações em áreas estratégicas como óleo e gás, saúde, entre outras.

Ciência e arte
Em 2002, depois que deixou o LNLS, Ricardo Rodrigues decidiu empreender. Junto com Liu Lin e o técnico em eletrônica Carlos Scorzato, amigo desde os tempos da UFPR, montou a Skedio Tecnologia. "A nossa proposta era fazer instrumentação", conta Scorzato. A empresa desenvolveu controles para a indústria da construção civil, desfibriladores cardíacos, dosadores, medidor de pressão industrial, entre outros. "A ideia era produzir coisas que não existiam", resume.

A lista de inovações desenvolvidas pela Skedio incluiu um sistema de acionamento de uma instalação da artista plástica Tania Fraga para uma exposição no Instituto Itaú Cultural, em 2004, e em Adelaide, na Austrália, em 2007. A obra - na verdade um robô em formato de cubo com 1,20 metro de face -, interagia com um computador para produzir movimentos ondulatório, semelhantes aos de arraia.

"Eu tinha participado de um workshop no Canadá e descobri que determinados nanomateriais como o nitinol, permitiam externalizar o virtual", diz. Ela foi atrás de quem pudesse desenvolver sistema semelhante e encontrou a Skedio. "O Ricardo topou o desafio", diz Fraga.

Scorzato explica tratar-se de um metal com "memória" que, quando aquecido, pode ser moldado para assumir uma determinada forma e, resfriado, volta à posição original - foi isso que conferiu movimento ondulatório ao robô projetado.

O sistema da Skedio era recoberto com uma membrana "estimulável", confeccionada em borracha natural produzida por comunidades da Amazônia. O usuário manipula a forma virtual usando uma tela sensível ao toque, que aciona o robô e ambos, o virtual e o material, se movem durante um minuto com os mesmos movimentos, num diálogo entre a ciência e a arte, ela explica. "O curador da exposição na Austrália ficou encantado", ela diz.

Cylon Gonçalves acredita que, se Ricardo Rodrigues não tivesse sido cientista, teria sido artista. "Ele desenhava e pintava. Todo o talento que tinha para a ciência, também tinha para a arte".

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.

Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/01/07/morre-o-pai-do-sirius-acelerador-de-particulas-brasileiro-era-um-genio.htm

Postado por Cláudio H. Dahne (Ciências Biológicas - UFC)


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS E A EQUAÇÃO DE ARRHENIUS por Carlos Bravo Diaz, Universidade de Vigo, Espanha

Traduzido por Natanael F. França Rocha, Florianópolis, Brasil  A conservação de alimentos sempre foi uma das principais preocupações do ser humano. Conhecemos, já há bastante tempo, formas de armazenar cereais e também a utilização de azeite para evitar o contato do alimento com o oxigênio do ar e minimizar sua oxidação. Neste blog, podemos encontrar diversos ensaios sobre os métodos tradicionais de conservação de alimentos. Com o passar do tempo, os alimentos sofrem alterações que resultam em variações em diferentes parâmetros que vão definir sua "qualidade". Por exemplo, podem sofrer reações químicas (oxidação lipídica, Maillard, etc.) e bioquímicas (escurecimento enzimático, lipólise, etc.), microbianas (que podem ser úteis, por exemplo a fermentação, ou indesejáveis caso haja crescimento de agentes patogênicos) e por alterações físicas (coalescência, agregação, etc.). Vamos observar agora a tabela abaixo sobre a conservação de alimentos. Por que usamo

Two new proteins connected to plant development discovered by scientists

The discovery in the model plant Arabidopsis of two new proteins, RICE1 and RICE2, could lead to better ways to regulate plant structure and the ability to resist crop stresses such as drought, and ultimately to improve agricultural productivity, according to researchers at Texas A&M AgriLife Research. Credit: Graphic courtesy of Dr. Xiuren Zhang, Texas A&M AgriLife Research The discovery of two new proteins could lead to better ways to regulate plant structure and the ability to resist crop stresses such as drought, thus improving agriculture productivity, according to researchers at Texas A&M AgriLife Research. The two proteins, named RICE1 and RICE2, are described in the May issue of the journal eLife, based on the work of Dr. Xiuren Zhang, AgriLife Research biochemist in College Station. Zhang explained that DNA contains all the information needed to build a body, and molecules of RNA take that how-to information to the sites in the cell where they can be used

Cerque-se de pessoas melhores do que você

by   Guilherme   on   6 de abril de 2015   in   Amigos ,  Valores Reais A vida é feita de  relações . Nenhuma pessoa é uma ilha. Fomos concebidos para evoluir, não apenas do ponto-de-vista coletivo, como componentes da raça humana, cuja inteligência vai se aprimorando com o decorrer dos séculos; mas principalmente da perspectiva individual, como seres viventes que precisam uns dos outros para crescer, se desenvolver e deixar um  legado útil  para os que vivem e os que ainda irão nascer. E, para tirar o máximo proveito do que a vida tem a nos oferecer, é preciso criar uma rede – ou várias redes – de relacionamentos saudáveis, tanto na seara  estritamente familiar  quanto na de  trabalho e negócios , pois são nessas redes que nos apoiamos e buscamos solução para a cura de nossos problemas, conquista de nossas metas pessoais e profissionais, e o conforto em momentos de aflição e tristeza. Por isso, se você quiser melhorar como pessoa, não basta apenas adquirir  alto grau de conhe