Cápsulas de dimensões nanométricas foram usadas com sucesso por pesquisadores da USP para “entregar” medicamentos ao cérebro e combater glioblastoma
Qualquer medicamento administrado contra doenças cerebrais precisa
enfrentar um escudo natural até chegar ao cérebro: a barreira
hematoencefálica, uma estrutura de permeabilidade altamente seletiva que
protege o sistema nervoso central de substâncias potencialmente
neurotóxicas presentes no sangue. De acordo com especialistas, 98% dos
medicamentos não conseguem ultrapassá-la – e aqueles que o fazem, em
geral, necessitam ser administrados em altas concentrações e podem
causar efeitos adversos graves.
Para ampliar o alcance de fármacos no cérebro empregando doses
seguras, pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da
Universidade de São Paulo (USP) utilizaram cápsulas de dimensões
nanométricas, capazes de atravessar a barreira hematoencefálica e
“entregar” o medicamento no local exato onde ele deve ser administrado –
no caso da pesquisa, partes do cérebro tomadas por glioblastoma, tipo
mais comum de tumor cerebral maligno em adultos, que ainda não conta com
tratamento farmacológico eficiente.
Testes em camundongos com a doença mostraram que as nanocápsulas
atravessaram a barreira hematoencefálica e, carregadas do
anti-inflamatório indometacina, reduziram substancialmente o volume do
tumor, em 70%. Os resultados foram obtidos durante o projeto Estudo
da eficácia terapêutica de nanocápsulas de indometacina e éster etílico
de indometacina: ensaios de microscopia intravital, realizado com apoio da Fapesp e coordenado por Sandra Helena Poliselli Farsky.
“Um dos efeitos adversos da indometacina é a lesão gastrointestinal.
Nos experimentos, a administração crônica, por via oral, desse
anti-inflamatório sem as nanocápsulas acabou levando os animais a óbito
devido a lesões gastrointestinais. Diferentemente, a administração da
nanocápsula carreando indometacina não causou dano gastrointestinal e
reduziu significantemente o tumor”, conta a pesquisadora.
Para Stephen Fernandes de Paula Rodrigues, pós-doutorando
supervisionado por Farsky, “o sucesso dos testes representa uma grande
possibilidade de melhora na condição de saúde dos pacientes com
glioblastoma, que, na maioria dos casos, têm uma sobrevida curta, de
cerca de 12 meses”.
“Trata-se de uma doença muito severa e cujos tratamentos disponíveis
ainda são pouco eficazes, pois a cirurgia não é capaz de retirar todas
as células tumorais, muito ligadas ao tecido cerebral, e a quimioterapia
precisa ser muito agressiva para atravessar a barreira
hematoencefálica, provocando efeitos adversos importantes.”
O tratamento quimioterápico convencional de glioblastoma envolve a
administração do fármaco temozolomida, de custo elevado e com poucas
garantias de eficácia. Entre os efeitos adversos da sua administração em
concentração suficiente para atravessar a barreira hematoencefálica
estão danos à medula óssea vermelha, onde se encontram as células-tronco
hematopoiéticas, responsáveis por gerar as células necessárias à
reconstituição do sangue e do sistema imunológico.
Também foi observada leucopenia, decorrente da produção prejudicada
de células brancas e da sua mobilização para o sangue com rapidez
insuficiente. Os glóbulos brancos combatem infecções, de modo que níveis
baixos dessas células aumentam a suscetibilidade do organismo ao
problema.
As nanocápsulas utilizadas como alternativa à quimioterapia
convencional foram obtidas por Sílvia Stanisçuaski Guterres e Adriana
Raffin Pohlmann, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a
partir de polímeros de poli (epsilon-caprolactona), composto químico
que, por ser biodegradável e biocompatível, não oferece toxicidade ao
organismo. As pesquisadoras agregaram à síntese das nanocápsulas a
indometacina, que, além de controlar a inflamação, reduz a dor e combate
a febre.
Inicialmente, foi testada a capacidade das nanocápsulas de atravessar
a barreira hematoencefálica de cérebros sadios de camundongos. Para
isso, elas foram marcadas com um agente fluorescente durante o processo
de síntese, sendo rastreadas na corrente sanguínea e no tecido cerebral
dos animais por meio de microscopia intravital, tecnologia que permite a
observação e o imageamento in vivo de sistemas biológicos.
Em condições normais, a fluorescência seria observada apenas no
interior dos vasos, pois a barreira hematoencefálica impediria o avanço
das moléculas. Já com as nanocápsulas, foi possível acompanhá-la do
interior dos vasos até o parênquima cerebral, o tecido do cérebro,
atravessando a barreira com sucesso.
Depois de confirmada a capacidade de infiltração, os pesquisadores
induziram glioblastoma nos camundongos e os trataram com as nanocápsulas
de indometacina, observando a redução do volume tumoral sem reações
adversas, o que sugere o transporte com sucesso da indometacina e o
efeito do fármaco nas células do tumor.
Para os pesquisadores, os resultados são promissores e podem levar ao
desenvolvimento de uma nova estratégia de tratamento de glioblastoma e
de outras doenças que afetam o sistema nervoso central, como as de
Alzheimer e de Parkinson.
“Ainda serão necessários muitos estudos laboratoriais até que sejam
possíveis os testes em humanos, mas, uma vez que a barreira
hematoencefálica é um impedimento à administração de uma série de
medicamentos, a capacidade de ‘ancorá-los’ em cápsulas de dimensões tão
diminutas e de fácil permeação celular pode ser explorada com grandes
chances de êxito, ajudando, inclusive, na prevenção de doenças em áreas
sadias do cérebro”, diz Rodrigues.
Os resultados da pesquisa podem ser conferidos no artigo Lipid-core
nanocapsules act as a drug shuttle through the blood brain barrier and
reduce glioblastoma after intravenous or oral administration, publicado na Journal of Biomedical Nanotechnology. Assinam o paper Stephen
Fernandes de Paula Rodrigues, Luana Almeida Fiel Baumbach, Ana Lucia
Borges Shimada, Natalia Pereira, Sílvia Stanisçuaski Guterres, Adriana
Raffin Pohlmann e Sandra Helena Poliselli Farsky.
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