Pular para o conteúdo principal

INCTs: o que vamos dizer às próximas gerações de brasileiros?

“O argumento de que a crise econômica requer ‘austeridade’ subestima a inteligência das pessoas quando se compara o que está sendo destruído com o que está sendo ‘economizado’ para sanar as contas deficitárias do País”, comenta Vanderlan da Silva Bolzani, professora titular IQAr-Unesp e vice-presidente da SBPC
Talvez não existam muitos exemplos, entre as nações civilizadas, de países que tenham decidido destruir seu patrimônio intelectual e científico. Mas estamos hoje, sem dúvida, no Brasil, fazendo essa opção: os governantes, com suas decisões, e a sociedade, sem reação pela falta de informação sobre o que está ocorrendo na área de ciência e tecnologia.

Ilustração gritante dessa destruição é a situação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), criados em 2008, nos quais foi investido até agora cerca de R$ 1,5 bilhão*.

Redes de pesquisa voltadas para temas estratégicos, os atuais 101 INCTs foram criados e são responsáveis por projetos que envolvem cerca de sete mil pesquisadores, entre os mais qualificados do País, de 410 laboratórios, de quase todos os estados da Federação.

Em seus nove anos de existência – pouco tempo quando se fala de pesquisa científica – o conjunto de institutos espalhados por este Brasil deu corpo a um programa ambicioso, mas perfeitamente factível como a realidade mostrou. Em sentido amplo, os INCTs formam uma rede integrada de conhecimentos gerados por universidades e institutos de pesquisa para criar respostas científicas e tecnológicas às necessidades do País, isto é, transformar esse conhecimento em bens de alto valor agregado.

Mas o que isso significa? Significa muita pesquisa de excelente nível em várias áreas. Destaco apenas algumas, como, por exemplo, sequenciar o genoma da tangerina Ponkan e contar com uma tecnologia para aprimorar as condições de produção; desenvolver processos que detectam fraudes em produtos lácteos, em parceria com a iniciativa privada; estudar os mecanismos de resistência do Aedes aegypti para controlar o vetor da dengue no País; desenvolver um veículo aéreo não tripulado (drone) com inúmeras aplicações às pesquisas e desenvolvimento tecnológico nacional. Os exemplos são muitos e necessitariam de muitas páginas para descrevê-los. Estendem-se pelas diversas áreas de conhecimento. Estão nas engenharias e tecnologia da informação, nas ciências agrárias, humanas e sociais, nas pesquisas sobre fármacos, saúde, biodiversidade, ecologia e meio ambiente.

Ao mesmo tempo, o impacto dos INCTs está na criação de novas disciplinas e cursos de pós-graduação, vários deles voltados para os últimos avanços no estado da arte das áreas médicas, farmacêuticas, químicas, físicas, biológicas, matemáticas, entre outras. Assim como na formação de mestres, doutores e pós-doutores; iniciativas de cooperação com empresas brasileiras e do exterior, e parcerias com laboratórios estrangeiros renomados.

O programa dos INCTs foi inovador para os padrões brasileiros de fazer pesquisa, na forma de constituição das redes, que agregam pesquisadores de diversas universidades, nos formatos gerencial e financeiro, ao articular recursos das agências federais e estaduais de fomento.

Hoje, assim como vem ocorrendo com toda a área de ciência e tecnologia, grande parte dos projetos de pesquisa dos INCTs está sendo interrompida ou retardada. Por um lado, os cortes e contingenciamento, que reduziram em 44% os recursos do MCTIC, impedem o processo normal de qualquer investigação científica, como aquisição de equipamentos, materiais e serviços necessários à pesquisa. De outro, os projetos contemplados no mais recente edital dos INCTs, de 2014, não recebem a parte correspondente às agências federais, metade do total que dividem com as Fundações de Amparo à Pesquisa, estaduais.

O argumento de que a crise econômica requer “austeridade” subestima a inteligência das pessoas quando se compara o que está sendo destruído com o que está sendo “economizado” para sanar as contas deficitárias do País. Ou, ainda, quando se considera o quadro geral da política no momento atual. A total incerteza sobre o que vai acontecer nos próximos anos já funciona como um forte desmotivador para os pesquisadores, cada dia mais perplexos com as sequelas da falta de verbas sobre o que foi construído. Isso significa que boa parte do prejuízo já vem sendo contabilizado, com saldo altamente preocupante.

*Dados de apresentação do CNPq feita em agosto de 2016, em São Luiz, Maranhão, durante o Fórum Confap, Conselho Nacional das Confederações Estaduais de Amparo à Pesquisa, acessada em http://confap.org.br/news/wp-content/uploads/2016/06/panorama-INCT-CONFAP-Maranh%C3%A3o-1.pdf

Fonte: http://www.jornaldaciencia.org.br/incts-o-que-vamos-dizer-as-proximas-geracoes-de-brasileiros/

Postado por David Araripe

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS E A EQUAÇÃO DE ARRHENIUS por Carlos Bravo Diaz, Universidade de Vigo, Espanha

Traduzido por Natanael F. França Rocha, Florianópolis, Brasil  A conservação de alimentos sempre foi uma das principais preocupações do ser humano. Conhecemos, já há bastante tempo, formas de armazenar cereais e também a utilização de azeite para evitar o contato do alimento com o oxigênio do ar e minimizar sua oxidação. Neste blog, podemos encontrar diversos ensaios sobre os métodos tradicionais de conservação de alimentos. Com o passar do tempo, os alimentos sofrem alterações que resultam em variações em diferentes parâmetros que vão definir sua "qualidade". Por exemplo, podem sofrer reações químicas (oxidação lipídica, Maillard, etc.) e bioquímicas (escurecimento enzimático, lipólise, etc.), microbianas (que podem ser úteis, por exemplo a fermentação, ou indesejáveis caso haja crescimento de agentes patogênicos) e por alterações físicas (coalescência, agregação, etc.). Vamos observar agora a tabela abaixo sobre a conservação de alimentos. Por que usamo...

Two new proteins connected to plant development discovered by scientists

The discovery in the model plant Arabidopsis of two new proteins, RICE1 and RICE2, could lead to better ways to regulate plant structure and the ability to resist crop stresses such as drought, and ultimately to improve agricultural productivity, according to researchers at Texas A&M AgriLife Research. Credit: Graphic courtesy of Dr. Xiuren Zhang, Texas A&M AgriLife Research The discovery of two new proteins could lead to better ways to regulate plant structure and the ability to resist crop stresses such as drought, thus improving agriculture productivity, according to researchers at Texas A&M AgriLife Research. The two proteins, named RICE1 and RICE2, are described in the May issue of the journal eLife, based on the work of Dr. Xiuren Zhang, AgriLife Research biochemist in College Station. Zhang explained that DNA contains all the information needed to build a body, and molecules of RNA take that how-to information to the sites in the cell where they can be used...

Fármaco brasileiro aprovado nos Estados Unidos

  Em fotomicrografia, um macho de Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose CDC/G. Healy A agência que regula a produção de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos, a FDA, concedeu o status de orphan drug para o fármaco imunomodulador P-Mapa, desenvolvido pela rede de pesquisa Farmabrasilis, para uso no tratamento de esquistossomose.  A concessão desse status é uma forma de o governo norte-americano incentivar o desenvolvimento de medicamentos para doenças com mercado restrito, com uma prevalência de até 200 mil pessoas nos Estados Unidos, embora em outros países possa ser maior. Globalmente, a esquistossomose é uma das principais doenças negligenciadas, que atinge cerca de 200 milhões de pessoas no mundo e cerca de 7 milhões no Brasil.  Entre outros benefícios, o status de orphan drug confere facilidades para a realização de ensaios clínicos, após os quais, se bem-sucedidos, o fármaco poderá ser registrado e distribuído nos Estados Unidos, no Brasil e em outro...