Pesquisadores afirmam ter encontrado novas evidências da existência de Mauritia, continente que teria desaparecido há 200 milhões de anos
Pesquisadores da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, afirmam ter encontrado novos indícios da existência de Mauritia, um continente submerso no Oceano Índico que teria desaparecido há 200 milhões de anos. Segundo o estudo, publicado na última semana na revista Nature Communications, um mineral chamado zircão, encontrado nas Ilhas Maurício, traria a mais nova evidência de que a região desaparecida estaria sob as águas. Geólogos e especialistas na área, no entanto, estão céticos em relação à descoberta e afirmam que é arriscado afirmar que exista um “continente perdido” no Hemisfério Sul.
“Dizer que o material encontrado faz parte de um continente desconhecido é uma hipótese de trabalho muito ousada, para não dizer precipitada. Pode ser apenas parte de um fragmento continental que ficou no Oceano Índico com a separação dos continentes, que aconteceu há 200 milhões de anos. No interior dos oceanos atuais há muitos desses resquícios”, afirmou ao site de VEJA o geólogo Benjamin Bley de Brito, professor da Universidade de São Paulo (USP).
Mauritia
Os primeiros indícios de que um continente desaparecido estaria sob as Ilhas Maurício surgiram em 2013, quando um estudo foi publicado na revista científica Nature Geoscience. Pesquisadores da Universidade de Oslo, na Noruega, identificaram traços de zircão muito antigo na areia da praia e sugeriram a hipótese de que um microcontinente, que teria existido entre 2 bilhões e 70 milhões de anos atrás, e seria formado entre as regiões que hoje correspondem à Índia e Madagascar. Com o nome de Mauritia, esse continente teria sido coberto pelo mar e por camadas de magma ao longo da separação dos continentes atuais, que aconteceu há cerca de 200 milhões de anos.
O estudo trazia uma peça a mais que não fazia parte da narrativa tradicional do desenvolvimento dos continentes, segundo a qual duas grandes massas de terra, Gondwana e Laurásia, agrupavam toda a massa terrestre. Há 200 milhões de anos, Gondwana se dividiu em dois blocos que originaram posteriormente Antártica, Índia, Madagascar, Austrália, América do Sul e África. Laurásia dividiu-se para formar os continentes do Hemisfério Norte.
Para sugerir a hipótese de um novo continente, os cientistas analisaram o zircão (silicato de zircônio), um elemento encontrado na crosta continental e descobriram que ele tinha entre 1.000 e 600 milhões de anos. O zircão contém traços de tório, urânio e chumbo, substâncias que resistem muito bem a processos geológicos e, por essa razão, pode ser datado com precisão. A idade do zircão encontrado pelos pesquisadores era muito mais antiga que a formação das Ilhas Maurício, resultado de uma atividade vulcânica há nove milhões de anos. A hipótese dos cientistas para a data é que o zircão teria sido parte de um continente desconhecido (Mauritia), que foi levado para a superfície com a erupção.
Na época, o estudo foi bastante criticado por especialistas, que afirmaram que o mineral poderia ter sido carregado pelo vento, por pneus de veículos ou mesmo pelos sapatos dos cientistas. No novo estudo feito pela Universidade de Witwatersrand, contudo, os pesquisadores analisaram o zircão pertencente a rochas expelidas pela lava durante erupções vulcânicas, presentes nas Ilhas Maurício. A datação da substância, feita por meio de isótopos radioativos, revelou que entre as amostras havia zircão de 3 bilhões de anos.
Segundo o geólogo Lewis Ashwal, renomado especialista na geologia da separação dos continentes e líder do estudo mais recente, as análises confirmariam a pesquisa anterior e poderiam ser uma peça a mais para ajudar a montar o quebra-cabeça da formação dos continentes atuais. Segundo Ashwal, a separação dos continentes atuais não teria sido uma simples quebra de Gondwana, mas uma separação complexa que aconteceu com fragmentos de tamanhos variados dos continentes deixados à deriva durante o desenvolvimento do Oceano Índico.
Separação dos continentes
Para o geólogo Benjamin Bley de Brito, é intrigante a descoberta de substâncias tão antigas em uma região jovem (em termos geológicos) como as Ilhas Maurício. Contudo, a afirmação de que elas pertençam a um “continente perdido” é apressada. “Para se chegar a essa conclusão seriam necessários mais dados, como estudos geológicos, petrológicos, paleomagnéticos e sondagens específicas, entre outros”, afirma.
Os pesquisadores também afirmam que seria necessária a avaliação de rochas encravadas na plataforma continental sob as ilhas, além das análises já feitas das rochas soltas sobre a superfície das ilhas. “As novas evidências podem indicar que existia um continente embaixo da região, que acabou sendo coberto pela atividade vulcânica e pelo Oceano Índico. Contudo, é difícil chegar a esse suposto continente, pois ele estaria há mais de quatro quilômetros de profundidade, embaixo do oceano”, afirma o geólogo Umberto Cordani, especialista na evolução da geologia dos continentes e professor emérito do Instituto de Geociências da USP. “Por isso seria necessário ter amostras dessas rochas submersas.”
De acordo com os especialistas brasileiros, a hipótese de que outros continentes, além dos atuais, tenham existido, não é nova. Em 2013, cientistas brasileiros e japoneses encontraram rochas continentais na Elevação do Rio Grande, região há 1.500 quilômetros do litoral do Sudeste do Brasil, e sugeriram que a área pode ser um pedaço da América Latina que ficou para trás com a divisão dos continentes.
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