Material oferece resistência ao movimento da ponta do microscópio AFM que pode variar em até 80% conforme a direção cristalina. Descoberta poderá contribuir para a fabricação de nanodispositivos
O grafeno é um dos materiais mais estudados na atualidade.
Justifica-se: constituído por uma única camada de átomos de carbono,
dispostos em uma rede bidimensional de trama hexagonal, o grafeno é
extremamente fino, leve e resistente. Agreguem-se propriedades como
transparência, flexibilidade, alta condutividade elétrica e térmica e
baixo custo de produção para que o horizonte de aplicações seja
praticamente ilimitado.
No entanto, com tantas pesquisas já realizadas, uma surpreendente
propriedade do grafeno permanecia ignorada. Foi descoberta por
pesquisadores brasileiros em estudo publicado em Scientific Reports, do Grupo Nature: “Giant and Tunable Anisotropy of Nanoscale Friction in Graphene”.
Trata-se da enorme anisotropia – apresentação de propriedades que
variam conforme a direção – exibida pelo grafeno quando este é “varrido”
em diferentes direções pela ponta do microscópio de força atômica (atomic force microscope – AFM).
“A observação mostrou que a força de atrito entre a ponta do
microscópio e a folha de grafeno é altamente dependente da direção de
varredura. A energia dissipada ao longo da ‘direção armchair’ [rota cuja
geometria lembra um braço de cadeira] chega a ser 80% maior do que a
energia dissipada ao longo da direção zigzag”, disse
à Agência Fapesp o físico Douglas Soares Galvão, um dos autores do
artigo. Professor titular do Instituto de Física da Universidade
Estadual de Campinas (IF-Unicamp), Galvão é pesquisador principal do
Centro de Pesquisa em Engenharia e Ciências Computacionais (CCES, na
sigla em inglês), um dos 17 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão
(CEPIDs) apoiados pela Fapesp.
Armchair e zigzag foram as duas principais direções
consideradas no estudo. “As direções cristalográficas do grafeno são
determinadas com o microscópio de força atômica, utilizando-se o modo de
força de atrito. Com essa técnica, conseguimos estabelecer as direções
na folha de grafeno e fazer as medidas de atrito em nanoescala”,
explicou a física Clara Muniz da Silva de Almeida, principal autora do
artigo. Ela é a pesquisadora responsável pelo Laboratório de Microscopia
de Força Atômica da Divisão de Materiais do Instituto Nacional de
Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), com sede no campus de
Xerém, em Duque de Caxias, Rio de Janeiro.
Como afirma o artigo, a enorme anisotropia no valor da força de
atrito, e, portanto, na energia dissipada ao longo das diferentes
direções, é bastante surpreendente, dada a isotropia nas propriedades
elásticas do grafeno. Seria esperada uma pequena diferença na energia
dissipada em função das direções cristalinas, como acontece no grafite,
que nada mais é que um empilhamento de folhas de grafeno. No entanto, as
medidas experimentais contrariaram essa expectativa, mostrando uma
diferença de até 80% no valor da energia dissipada entre as direções
cristalinas.
“Isso se deve à deformação da folha de grafeno pela ponta do
microscópio. Tal deformação, que é amplificada de diferentes maneiras
nas duas direções, determina os valores diferenciais da força de atrito.
Uma analogia simples para o fenômeno é a ondulação formada pelo tecido
diante do ferro de passar roupa”, ilustrou Galvão.
“Surpreendeu o fato de a força de atrito ser tanto maior quanto menor
o número de camadas de grafeno. Mas a analogia com o processo de passar
roupa também ajuda a entender isso. Quando são superpostas várias peças
de tecido, isso cria uma estrutura rígida, que praticamente não se
deforma com o movimento do ferro. Analogamente, no grafite, que é
formado por muitas camadas de grafeno, a deformação é mínima. Porém,
quando o número de camadas diminui, até chegar à folha única, a
deformação se torna bastante relevante”, prosseguiu o pesquisador da
Unicamp.
“A deformação flexural produzida na folha de grafeno pela ponta do
microscópio determina ondulações diferentes conforme a direção.
Movimentar essa ondulação na direção zigzag é bem mais fácil do que na direção armchair”, resumiu Clara Almeida.
Dito assim, parece simples. Mas, para explicar essa diferença,
detectada experimentalmente, foi necessário conjugar três robustos
recursos teóricos: o modelo de Prandtl-Tomlinson, utilizado na descrição
de mecanismos friccionais em escala atômica; a dinâmica molecular
atomística; e a teoria do funcional da densidade, decorrente da mecânica
quântica.
Segundo os pesquisadores, o efeito poderia ser entendido como uma
manifestação, em escala nanométrica, do fenômeno clássico da flambagem
(encurvamento de uma barra quando submetida a compressão axial),
descrito matematicamente pelo grande matemático e físico suíço Leonhard
Euler (1707 –1783) em 1744.
Devido às suas notáveis características eletrônicas, térmicas e
mecânicas, o grafeno é um forte candidato para a fabricação da próxima
geração de dispositivos eletrônicos e de sistemas nanoeletromecânicos (nanoelectromechanical systems –
NEMS). Tais aplicações requerem a compreensão das propriedades
mecânicas e tribológicas – isto é, decorrentes da interação de
superfícies em movimento relativo – desses materiais bidimensionais.
“A anisotropia que encontramos pode ser determinante para a fabricação desses NEMS, cujo design demanda
o conhecimento prévio da orientação cristalina. Na maioria das vezes,
as propriedades do material na configuração bidimensional [grafeno] são
bem diferentes das propriedades já conhecidas na configuração
tridimensional [grafite]”, sublinhou Clara Almeida.
Seu grupo, no Inmetro, começou a trabalhar com o grafeno em 2010, e,
desde então, realizou pesquisas nas áreas de metrologia de defeitos em
grafeno; determinação da orientação cristalográfica da folha de grafeno
por meio de microscopia de força atômica; utilização da AFM para
manipulação do grafeno com vistas a criar novas nanoestruturas; e,
agora, de nanotribologia desse material.
Além de Almeida e de Galvão participaram do estudo Rodrigo Prioli
(Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), Benjamin Fragneaud
(Universidade Federal de Juiz de Fora), Luiz Gustavo Cançado
(Inmetro/Universidade Federal de Minas Gerais), Ricardo
Paupitz (Universidade Estadual Paulista, campus de Rio Claro), Marcelo
De Cicco (Inmetro), Marcos G. Menezes (Universidade Federal do Rio de
Janeiro), Carlos A. Achete (Inmetro) e Rodrigo B. Capaz
(Inmetro/Universidade Federal do Rio de Janeiro).
O artigo Giant and Tunable Anisotropy of Nanoscale Friction in Graphene, publicado em Scientific Reports, pode ser lido no endereço: www.nature.com/articles/srep31569.
Postado por Hadson Bastos
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