Pesquisadores do HU e UFSC investigam circuitos cerebrais envolvidos na sensação de medo e doenças psiquiátricas
Um estudo inédito, desenvolvido por professores pesquisadores que
atuam no Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago,
vinculado à rede Ebserh, e no Centro de Ciências Biológicas da
Universidade Federal de Santa Catarina, abriu as portas da ciência para
entender os mecanismos sinápticos envolvidos com a manifestação de medo.
Os resultados permitem compreender sintomas relacionados a doenças
mentais que envolvem estes mecanismos, como estresse pós-traumático,
depressão, síndrome do pânico e ansiedade.
A pesquisa, coordenada pelo professor e médico neurofisiologista clínico especializado em cirurgia de epilepsia Roger Walz,
recebeu neste ano o prêmio Paulo Niemayer de Estudos em Cirurgia de
Epilepsia, conferido no Congresso da Liga Brasileira de Epilepsia, e
representa um marco na história da ciência catarinense, já que esta foi a
primeira vez que uma equipe do Estado recebeu esta premiação. Além
disso, a pesquisa completa foi publicada em uma das mais importantes revistas da área de psiquiatria a Molecular Psychiatry do grupo Nature.
Roger Walz explicou que o estudo foi feito em pacientes que sofriam
de epilepsia de lobo temporal intratável com medicamentos e foram
submetidos a neurocirurgia. Como o procedimento consiste na remoção de
tecidos cerebrais, foi possível estudar este material retirado, o que
levou a equipe a entender melhor como o cérebro humano funciona ao
desencadear a “sensação de medo”, que é um dos sintomas narrados por 15%
dos pacientes logo no início da crise epiléptica originada na região
temporal, internamente no crânio logo à frente da orelha.
O professor explicou que, quando uma pessoa tem uma crise epiléptica,
na fase inicial, ela pode perceber sintomas e reações comandadas pelo
cérebro, como a contratura muscular em algumas partes do corpo,
sensações visuais, entre outras. Estas sensações ocorrem pela ativação
elétrica anormal de áreas do cérebro durante a crise epiléptica e que
estão envolvidas funções específicas.
Uma parte destes pacientes relata que vive uma experiência intensa de
medo, que dura entre 10 e 15 segundos, e em seguida perde a
consciência. A sensação descrita pelo paciente é semelhante à que
sentimos quando tomamos um susto, e ocorre pela ativação de regiões do
cérebro que compõe o chamado “circuito de defesa”.
Como o tecido anormal que causa a crise contém estruturas conectadas
aos circuitos de defesa que detectam o medo, a cirurgia permite estas
sejam estudadas através de técnicas de neuroquímica. Os estudos da
equipe catarinense apontaram que a parte do tecido cerebral retirada dos
pacientes com epilepsia de lobo temporal e que tinham experiência
repetitiva de medo apresentava modificações neuroquímicas nas sinapses
que não foram vistas nos pacientes que tinham epilepsia de lobo
temporal, mas não apresentavam os sintomas de medo durante a crise.
Com isso, foi aberto o caminho para estudar esta experiência em
cérebros de humanos analisando diretamente o tecido cerebral. Esta
possibilidade traz a perspectiva de se poder estudar estas modificações
neuroquímicas e sua associação com outras manifestações psiquiátricas
dos pacientes. “Esta é a etapa que estamos realizando agora”, diz Roger
Walz.
Para se ter uma ideia do alcance desta pesquisa, até então só era
possível realizar estudos com a técnica utilizada de fosforilação de
proteínas no tecido cerebral envolvido na produção da sensação de medo
em animais, pois é preciso retirar estudar amostras de tecido cerebral
imediatamente após a retirada da amostra (menos de 30 segundos após a
coleta), o que não é possível tecnicamente através de estudos de
fosforilação de proteínas sinápticas em cérebros de cadáveres devido às
várias horas até que se consiga retirar amostras para estudo de doadores
que faleceram.
“No caso da epilepsia, estruturas do cérebro relacionadas com a
manifestação do medo serão retiradas. Então, pela primeira vez se pode
estudar em humanos, tecido de regiões envolvidas com a manifestação de
medo, através de técnicas bastante sensíveis e específicas”, resumiu o
professor.
O estudo, intitulado “Níveis da subunidade GluA1 na amígdala e seu estado de fosforilação na serina 845 no hipocampo anterior são biomarcadores de medo ictal mas não de ansiedade” foi realizado por uma equipe multidisciplinar, incluindo o neurocirurgião Marcelo Linhares, professor do Departamento de Cirurgia do Hospital Universitário, a professora Kátia Lin, chefe do serviço de Neurologia do HU, o professor Rodrigo Leal (Departamento de Bioquímica, Centro de Ciências Biológicas), sob a coordenação do professor Roger Walz, além de alunos de cursos de pós-graduação em ciências médicas e neurociências da UFSC.
O estudo, intitulado “Níveis da subunidade GluA1 na amígdala e seu estado de fosforilação na serina 845 no hipocampo anterior são biomarcadores de medo ictal mas não de ansiedade” foi realizado por uma equipe multidisciplinar, incluindo o neurocirurgião Marcelo Linhares, professor do Departamento de Cirurgia do Hospital Universitário, a professora Kátia Lin, chefe do serviço de Neurologia do HU, o professor Rodrigo Leal (Departamento de Bioquímica, Centro de Ciências Biológicas), sob a coordenação do professor Roger Walz, além de alunos de cursos de pós-graduação em ciências médicas e neurociências da UFSC.
O Professor Rodrigo Leal, do CCB, especializado nas técnicas de
neuroquímica utilizadas no projeto, salienta que este foi o primeiro
estudo publicado na literatura científica mundial avaliando o estado
fosforilação de proteínas sinápticas específicas em estruturas do
“circuito de defesa e sobrevivência” e relacionando-as à sensação de
medo em seres humanos.
Roger Walz acrescenta que foram dez anos de trabalho desde a seleção
dos pacientes, implantação do centro de cirurgia de epilepsia e
realização das cirurgias até a publicação dos resultados, e que as
dificuldades só foram superadas graças ao forte engajamento da equipe
multidisciplinar composta de neurologistas, neurofisiologistas,
neurocirurgião, psiquiatra, neuropsicóloga e equipe de enfermagem
envolvida no atendimento de alta complexidade dos pacientes da rede SUS,
em parceria com pesquisadores da área de neuroquímica básica. Ao longo
deste período também foram formados vários médicos especialistas,
mestres, doutores, engajados em outros projetos vinculados à
neurociência.
Além de promover a melhora significativa e imediata da qualidade de
vida dos pacientes através da cirurgia de epilepsia, as pesquisas
auxiliam na compreensão de mecanismos de neuroplasticidade envolvidos
com as reações de estresse e medo, intimamente ligadas a várias doenças
psiquiátricas muito prevalentes e incapacitantes como o estresse
pós-traumático, síndrome do pânico, transtornos de ansiedade e
depressão.
O projeto foi financiado pela FAPESC/CNPq através dos editais para
Projetos de Pesquisa para o SUS (PPSUS) e Programa de Núcleos de
Excelência (PRONEX) e os resultados foram publicados no mês de junho
deste ano na revista Molecular Psychiatry do grupo Nature.
De 2008 a 2015, as equipes do Hospital Celso Ramos e do Hospital
Universitário da UFSC realizaram 94 cirurgias em pacientes com epilepsia
de refratária ao tratamento farmacológico, sendo 38 no HU e 56 no Celso
Ramos. Segundo Roger Walz, os pacientes candidatos para a cirurgia são
aqueles que não controlam as crises epilépticas com tratamentos
medicamentosos.
Os pacientes apresentavam em média oito crises epilépticas por mês, e
a cirurgia resultou em um controle total das crises em 75% deles.
Outros 15% apresentam uma redução significativa das crises, passando a
apresentar no máximo duas crises epilépticas por ano, e em 10% o
procedimento não é efetivo. O risco de óbito é inferior a 1 para cada
800 cirurgias e complicações irreversíveis podem ocorrer em menos de 1%
dos casos. Na série acompanhada pela equipe não houve óbitos ou sequelas
significativas, e o grupo como um todo refere uma melhora significativa
da qualidade de vida medida através de questionários validados
cientificamente conforme outro artigo publicado pela equipe na revista
Epilepsia, da “International Leage Agaist Epilepsy (ILAE).
Segundo Roger Walz, estima-se que 1% da população sofra de algum tipo
de epilepsia, o que resulta em cerca de 60 mil indivíduos em Santa
Catarina. Destes, em torno 12 mil a 18 mil não conseguem controle
adequado das crises epilépticas com tratamento através de medicamentos,
sendo candidatos a avaliar a possibilidade de realizar a cirurgia. O
estudo analisou o material retirado de 31 pacientes e garantiu novas
perspectivas para entender não somente os casos de epilepsia, mas o
tratamento de doenças psiquiátricas comuns a grande parte da população.
FONTE: https://noticias.ufsc.br/2018/11/pesquisadores-do-hu-e-ufsc-investigam-circuitos-cerebrais-envolvidos-na-sensacao-de-medo-e-doencas-psiquiatricas/
Enviado pelo prof. Rodrigo Bainy, da UFSC, colaborador do BioMol-Lab
Postado por Cláudio H. Dahne (Ciências Biológicas - UFC)
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