Pesquisadores identificam função de proteína que controla doenças
alérgicas. Estudo pode levar ao desenvolvimento de medicamentos para
outras doenças, como as autoimunes, e para certos tipos de câncer
Um grupo de pesquisadores brasileiros conseguiu impedir que a asma
alérgica prosseguisse, em modelos experimentais. Eles aumentaram a
quantidade de uma determinada proteína que bloqueou os linfócitos T CD4 –
responsáveis pela produção de citocina que desencadeia cascata de
eventos que resultam no início e na progressão da doença.
Agora que se sabe como a doença pode ser interrompida em cultura de
células e em animais, abre-se um caminho de investigação para
desenvolver um medicamento que controle a expressão de tal proteína em
modelos experimentais e em humanos.
O estudo foi realizado no âmbito do Centro de Pesquisa em Doenças
Inflamatórias (CRID), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão
(CEPIDs) financiados pela Fapesp.
Os resultados foram publicados no Journal of Allergy and Clinical
Immunology e são parte do projeto de pós-doutorado de Luciana Benevides,
da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
(FMRP-USP), primeira autora do artigo.
“O que atualmente se administra em pessoas com alergia ou asma
brônquica são medicamentos como anti-histamínicos, broncodilatadores e
corticoides, que inibem sintomas da doença, além de inibir a resposta
celular, incluindo a dos linfócitos TH2”, disse João Santana da Silva,
professor da FMRP e coordenador do estudo.
“No entanto, as células TH2 levam à produção de substâncias
responsáveis pela sintomatologia; então o tratamento é só de sintomas
como coriza, dificuldade de respirar, entre outros. O que nós
descobrimos é que se forem bloqueados outros linfócitos T, os TH9, a
doença vai ter uma resolução efetiva, bloqueando inclusive a produção de
substâncias que causam os sintomas”, disse Silva.
Para chegar aos resultados, os pesquisadores fizeram experimentos com
cultura de células humanas e de camundongos. Além disso, foram usados
camundongos transgênicos.
Os diferentes ensaios ajudaram a confirmar que quando o gene Blimp-1 é
superexpresso há um aumento da proteína que ele produz, de mesmo nome,
que por sua vez bloqueia a ação dos linfócitos que produzem uma
citocina, a IL-9, que causa a inflamação alérgica das vias aéreas. “O
importante é que o bloqueio de IL-9 diminui a resposta TH2 e,
consequentemente, a evolução da doença”, disse Benevides à Agência
Fapesp.
Gene Blimp-1
Para testar a hipótese de que o Blimp-1 tinha um papel importante na
resolução da alergia, os pesquisadores criaram camundongos transgênicos
com esse gene deletado nos linfócitos T.
Como tem outras funções, o gene não poderia ser completamente
desativado, então foi usada a técnica conhecida como nocaute condicional
para que ele deixasse de funcionar apenas nessas células.
Em seguida, tanto os camundongos transgênicos, com o Blimp-1 deletado
no linfócito T, como os animais controle foram submetidos a um
procedimento que induz a alergia. Os pesquisadores injetaram doses de
ovoalbumina e, em seguida, introduziram a mesma substância no nariz
(intranasal) dos animais, resultando em doença inflamatória das vias
aéreas, isto é, alergia à proteína do ovo.
Ao analisarem a reação do organismo nos dois grupos de animais,
notaram que os camundongos sem o gene Blimp-1 sofriam muito mais os
efeitos da alergia do que os que tinham o gene.
“Embora ambos os grupos desenvolvam alergia, mostramos que há uma
inflamação pulmonar exacerbada nos pulmões dos animais que não têm
Blimp-1 no linfócito, comparado com os animais controle”, disse
Benevides.
Demonstrado o papel do Blimp-1 na inflamação, os pesquisadores então
criaram uma forma de superexpressar o gene. Dessa maneira, poderiam
verificar se a quantidade exacerbada de proteína que ele passaria a
produzir teria um efeito inibidor da citocina IL-9.
Eles então coletaram amostras de células mononucleares do sangue
periférico de humanos, bastante utilizadas em estudos de imunologia.
Foram coletadas amostras de pessoas saudáveis e de portadores de asma
alérgica.
As células de sangue receberam um vírus inócuo ou contendo o gene
Blimp-1, que passou a fazer parte da cadeia de DNA das células. Tanto
nas células de pessoas saudáveis como nas das asmáticas, o Blimp-1
passou a produzir proteína de forma exacerbada e inibiu a produção de
TH9, produtor de IL-9.
Embora a expressão do IL-9 tenha ocorrido nas células de pacientes
saudáveis e com asma, foi muito maior nas dos asmáticos. O mesmo
resultado foi observado num experimento similar com células de
camundongos.
Uso em outras doenças
A partir desses dados, o grupo pretende construir drogas ou fármacos
que possam induzir a expressão de Blimp-1 para controlar as células TH9.
“Estamos testando o papel na regulação de células TH9 em outros modelos
experimentais, como em tumores, mais ainda é cedo para tirar qualquer
conclusão”, disse Benevides.
No caso de tipos de câncer como o melanoma, ensaios preliminares
ainda não publicados mostraram que, quando há uma diminuição da
expressão do Blimp-1, o aumento resultante do TH9 proporciona uma
diminuição do tumor.
Por isso, um eventual medicamento contra câncer advindo da pesquisa
inibiria a expressão do Blimp-1, enquanto para asma e doenças autoimunes
ele deve aumentar essa expressão.
“A descoberta mais importante é a de uma nova função de um fator de
transcrição que já era conhecido, mas que agora sabemos que é capaz
também de inibir a diferenciação dos linfócitos T produtores de IL-9.
Isso abre uma perspectiva para estudar várias doenças em que as células
TH9 estão envolvidas”, disse Benevides.
O artigo B lymphocyte–induced maturation protein 1 controls TH9 cell development, IL-9 production, and allergic inflammation (doi:
10.1016/j.jaci.2018.06.046), de Luciana Benevides, Renata Sesti Costa,
Lucas Alves Tavares, Momtchilo Russo, Gislâine A. Martins, Luis Lamberti
P. da Silva, Luisa Karla de Paula Arruda, Fernando Q. Cunha, Vanessa
Carregaro e João Santana Silva, pode ser lido em: www.jacionline.org/article/S0091-6749(18)31131-X/abstract.
Postado por Cláudio H. Dahne (Ciências Biológicas - UFC)
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