Composto denominado AG-hecate atua também em bactérias, fungos e
células cancerosas e será testado contra os vírus da zika e da febre
amarela
Um novo composto que inibe a replicação do vírus da hepatite C (HCV)
em diversos estágios de seu ciclo – e é capaz de agir também em
bactérias, fungos e células cancerosas – foi sintetizado por
pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
O estudo – apoiado pela Fapesp por meio de vários instrumentos de
fomento à pesquisa [veja a relação adiante] – foi descrito em artigo
publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature.
“O que fizemos foi combinar moléculas já existentes, por meio de
síntese em laboratório, para produzir novos compostos com potencial
biológico. Esse método é chamado de bioconjugação. Por meio da
bioconjugação, sintetizamos seis compostos e os testamos nos genótipos
2a e 3a do HCV. E conseguimos chegar a um composto com grande potencial
terapêutico”, disse o químico Paulo Ricardo da Silva Sanches, um dos
dois autores principais do estudo, à Agência Fapesp.
O vírus da hepatite C apresenta significativa variabilidade genômica,
exibindo pelo menos seis genótipos principais, cada qual com subtipos.
Os genótipos 2a e 3a são os subtipos mais comuns do HCV circulante. O
composto capaz de destruí-los – o AG-hecate – foi sintetizado a partir
do ácido gálico e do peptídeo hecate.
“Descobrimos que esse composto atua em quase todas as etapas do ciclo
replicativo do HCV – o que não é uma característica comum nos
antivirais. Esses geralmente têm alvos pontuais e isolados, como
proteínas do capsídeo, receptores de membranas ou proteínas específicas
como a NS3, inibindo processos específicos como a entrada do vírus nas
células, a síntese do material genético e de proteínas, a montagem e
liberação de novas partículas virais. O AG-hecate, ao contrário,
apresentou ampla atividade, agindo em diversas etapas do ciclo”,
explicou Sanches.
“O composto também apresentou atividade nos chamados ‘lipid droplets’
– gotas de lipídeo no interior das quais o vírus circula nas células e
que o protegem do ataque de enzimas. O AG-hecate desestrutura essas
gotas de lipídeo e deixa o complexo replicativo do vírus exposto à ação
das enzimas celulares”, prosseguiu.
Os pesquisadores testaram o AG-hecate tanto no vírus completo quanto
nos chamados “replicons subgenômicos”, que possuem todos os elementos
para a replicação do material genético do vírus nas células, mas são
incapazes de sintetizar proteínas responsáveis pela infecção. E o
composto foi eficiente em todos os testes.
Outra virtude apresentada pelo composto foi seu alto índice de
seletividade. Isso significa que ele ataca muito mais o vírus do que a
célula hospedeira. E, assim, tem potencial para ser utilizado como
fármaco no tratamento da doença.
“Apesar de o composto apresentar pequena atividade nos eritrócitos,
os ‘glóbulos vermelhos’ do sangue, a molécula precisa passar por
alterações em sua estrutura para reduzir ainda mais a sua toxicidade. É
nisso que estamos trabalhando agora, para que a pesquisa possa evoluir
da fase in vitro para a fase in vivo”, disse o pesquisador da Unesp.
Como informou o professor Eduardo Maffud Cilli, orientador do
doutorado de Sanches no Instituto de Química da Unesp em Araraquara
(SP), “o tempo médio para o planejamento e desenvolvimento de peptídeos
terapêuticos é de 10 anos. Acabou de sair um estudo com esses dados. Até
agora, foram despendidos aproximadamente dois anos no desenvolvimento
da molécula de AG-hecate”. “Considerando a média estatística, serão
necessários mais oito anos antes que a droga chegue ao mercado.”
Cilli participou do estudo e também assina o artigo publicado em Scientific Reports.
“A ótima notícia é que essa molécula não age apenas no HCV. Pode agir
também em bactérias, fungos e células cancerosas. Além disso, como os
vírus do zika e da febre amarela apresentam ciclos replicativos bastante
parecidos com o do HCV, vamos testar a efetividade do AG-hecate também
em relação a esses vírus”, disse.
No caso do câncer, a molécula interage e destrói a membrana da célula
afetada. Aqui, a seletividade da ação do AG-hecate deve-se ao fato de
que a célula modificada pelo câncer tem uma quantidade maior de cargas
negativas na superfície do que a célula normal. E o peptídeo tem carga
positiva. Então, a ação se dá por atração eletrostática. No caso do
vírus, o mecanismo de ação da molécula é mais complexo, como mostra a
ilustração.
Os estudos foram realizados no Laboratório de Síntese e Estudos de
Biomoléculas do Instituto de Química da Unesp em Araraquara, coordenado
pelo professor Eduardo Maffud Cilli, e no Laboratório de Estudos
Genômicos do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Unesp
em São José do Rio Preto, coordenado pela professora Paula Rahal,
orientadora do doutorado de Mariana Nogueira Batista, pesquisadora que
divide autoria deste trabalho com Sanches.
Apoio da Fapesp
Além de Sanches e Cilli, participaram do estudo Mariana Nogueira
Batista, Bruno Moreira Carneiro, Ana Cláudia Silva Braga, Guilherme
Rodrigues Fernandes Campos e Paula Rahal.
A pesquisa foi apoiada pela Fapesp no âmbito do Centro de Inovação em
Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), um dos Centros de Pesquisa,
Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela Fapesp. A Fundação também
concedeu bolsas aos seguintes projetos:
“Avaliação de peptídeos sintéticos na inibição direcionada do vírus da hepatite C”.
“Adaptação de um Hepacivirus de roedor derivado de rato hcv-relacionado ao hospedeiro murino”
O artigo GA-Hecate antiviral properties on HCV whole cycle
represent a new antiviral class and open the door for the development of
broad spectrum antivirals pode ser lido em www.nature.com/articles/s41598-018-32176-w.
Agência Fapesp
FONTE: http://www.jornaldaciencia.org.br/edicoes/?url=http://jcnoticias.jornaldaciencia.org.br/11-cientistas-da-unesp-sintetizam-molecula-capaz-de-eliminar-o-virus-da-hepatite-c/
Postado por Cláudio H. Dahne (Ciências Biológicas - UFC)
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