Com quase 1,4 bilhão de habitantes, praticamente um quinto da
população terrestre, a China ocupa o oitavo lugar em área plantada com
transgênicos no mundo. Em 2016, o país adotou a biotecnologia em 95% de
todas as suas lavouras, cultivando 2,79 milhões de hectares de algodão,
álamo e papaia geneticamente modificados (GM), segundo relatório
divulgado este ano pelo Serviço Internacional para a Aquisição de
Aplicações em Agrobiotecnologia (ISAAA).
Junto com Estados Unidos, Argentina e Canadá, a China faz parte das
nações pioneiras na adoção da biotecnologia no campo, com algodão Bt
(resistente a insetos) comercializado há duas décadas. É também o único
lugar do planeta que planta álamo transgênico, desenvolvido pelo
Instituto de Pesquisa Florestal em Pequim, que integra a Academia
Chinesa de Silvicultura.
Desde 1994 até o fim de 2016, a China aprovou 60 eventos de culturas
GM para consumo humano e animal, sendo 17 de milho, 12 de canola
argentina, dez de soja, dez de algodão, três de tomate, dois de arroz,
dois de álamo, um de beterraba, um de pimentão, um de papaia (resistente
ao vírus da mancha anelar) e um de petúnia, de acordo com o ISAAA.
Depois que o algodão transgênico foi introduzido no mercado, a área
plantada com essas variedades aumentou mais de 12 vezes. Já a área
cultivada com papaia cresceu 22% só de 2015 para 2016. Esse mamão GM
teve sua liberação comercial pelo Comitê Nacional de Biossegurança
chinês em setembro de 2006, representando um desenvolvimento
significativo para esse que é um alimento amplamente consumido no país.
O álamo GM, por sua vez, é cultivado na China desde 2003 e, entre
2013 e 2016, foram plantados 543 hectares da árvore. Essa área ajuda a
suprir os cerca de 340 milhões de metros cúbicos de madeira de que o
país necessita anualmente. Segundo o relatório do ISAAA, as áreas de
álamo transgênico têm inibido de forma efetiva a rápida propagação de
insetos-praga e reduzido significativamente o número de aplicações de
inseticidas.
Entre os benefícios das culturas que utilizam a biotecnologia na
China, estão maiores rendimentos (em média, 10%), redução de até 60% no
uso de inseticidas e economia significativa com aplicações de produtos e
mão de obra. Há implicações positivas também no ambiente e na saúde dos
agricultores, gerando um aumento na renda de US$ 220 por hectare em
2016, o que teve um impacto enorme na subsistência dos produtores de
algodão, já que muitos ganham menos de US$ 1 por dia de trabalho.
Ainda de acordo com o ISAAA, estima-se que, no período de 1997 a
2015, a China tenha aumentado seus rendimentos com algodão transgênico
em US$ 18,6 bilhões. E cerca de 10 milhões de agricultores familiares
têm se beneficiado indiretamente desse cultivo. Um estudo feito no ano
passado pelo Instituto de Tecnologia de Pequim revelou que a adoção das
culturas biotecnológicas no país pode melhorar a saúde dos produtores.
Isso porque os transgênicos reduziram o uso de herbicidas do tipo “não
glifosato” (com maior toxicidade e potencial de danos renais, por
exemplo), ao utilizar o glifosato; enquanto as culturas Bt diminuíram
significativamente o uso de inseticidas contra insetos lepidópteros (que
inclui borboletas e mariposas).
2ª geração de algodão transgênico
Em 2012, pesquisadores da Academia Chinesa de Ciências Agrárias (CAAS, na sigla em inglês) desenvolveram um algodão GM
que apresenta melhor qualidade de fibras e cápsulas maiores.
Historicamente, pragas e fibras de baixa qualidade têm sido obstáculos
para o crescimento da indústria algodoeira no país.
As primeiras modificações genéticas no algodão chinês, feitas na
década de 1990, foram marcadas pela inserção de características
agronômicas nas plantas, a exemplo de resistência a insetos e bactérias.
O desenvolvimento de uma variedade com melhor fibra e cápsula maior
marcou, portanto, a segunda geração de algodão transgênico, que se
caracteriza pelo incremento da qualidade do organismo modificado.
Milho e arroz GM
A China também já aprovou um milho geneticamente modificado com
fitase, enzima que favorece o crescimento animal. Esse grão transgênico
foi desenvolvido e licenciado pela CAAS e deve ser usado em rações. Com a
crescente necessidade de alimentos para a população e animais como aves
e gado no país, o milho biotecnológico deve estar disponível para
comercialização nos próximos três anos, abrindo um potencial mercado de
35 milhões de hectares, aponta o ISAAA.
Já o arroz Bt (resistente a insetos) aguarda, há quatro anos, que o
cultivo seja liberado pelo governo chinês. Desde 2015, o presidente Xi
Jinping está comprometido a tornar o país forte na área de
biotecnologia. Para isso, tem apoiado ativamente o investimento em
pesquisa e inovação para culturas geneticamente modificadas. Essa aposta
poderá tornar a China menos dependente de importação de soja e milho,
por exemplo. Só na safra 2016/2017, o país asiático importou dos Estados
Unidos 85 milhões de toneladas de soja e 3,17 milhões de toneladas de
milho para abastecer sua demanda doméstica por alimentos.
Além disso, o governo chinês financia um importante programa de
pesquisa em biotecnologia, com recursos da ordem de US$ 3 bilhões, para
que institutos de pesquisa e empresas nacionais desenvolvam uma
variedade de trigo resistente a doenças e à seca, um arroz resistente a
doenças, um milho resistente à seca e uma soja que produz mais óleo.
Também são conduzidos estudos no país sobre amendoim GM.
Mais produtividade em álamo e tomate
Uma equipe liderada pelo cientista Yan-Li Jin, da Academia Chinesa de Ciências (CAS), obteve tomates e álamos (Populus trichocarpa) maiores por meio da superexpressão do gene do álamo PtCYP85A3.
No tomate geneticamente modificado, os pesquisadores conseguiram uma
planta 50% mais alta, 56% mais pesada e com 43% mais frutos, enquanto no
álamo GM o crescimento e o aumento da biomassa foram verificados em um
diâmetro do caule 25% maior e em uma altura da árvore 15% superior.
A expressão do gene foi impulsionada pelo promotor do
vírus-do-mosaico-da-couve-flor, e os resultados – publicados em junho no
Plant Biotechnology Journal – sugerem que o gene PtCYP85A3 possa
ser usado, no futuro, para engenharia de árvores de rápido crescimento,
visando à produção de madeira melhorada. Estudos semelhantes, para
aumento de produtividade de plantas, estão sendo conduzidos em larga
escala atualmente em países como Japão, Coreia do Sul e Rússia.
Pesquisas em edição gênica
A cientista chinesa Caixia Gao, do Instituto de Genética e Biologia
do Desenvolvimento da CAS, já entrou para a história das ciências
agrárias. Em 2014, foi a primeira pesquisadora a publicar um artigo na
revista Nature mostrando resultados bem-sucedidos sobre uso da técnica de edição de DNA CRISPR/Cas9
em plantas. Os estudos conduzidos por Gao estão focados na engenharia
genética do trigo, famoso por seu genoma de alta complexidade. Uma
variedade da planta resistente a determinada doença causada por fungos
foi obtida pela cientista e é atualmente desenvolvida por uma empresa
norte-americana, devendo chegar ao mercado no futuro.
A técnica de edição de genomas usada por Gao – que veio ao Brasil no
fim de 2016 para mostrar suas descobertas a pesquisadores da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) – também está sendo
estudada para tratar doenças em seres humanos e animais, e deve
revolucionar a agricultura nas próximas décadas. O método permite
modificar o DNA, deletando e inserindo genes em um organismo, inclusive
eliminando aqueles que causam doenças.
Essa tecnologia provoca tanto entusiasmo porque permite a manipulação
genética com maior precisão, rapidez e menor custo. Além de
possibilitar uma geração de plantas resistentes a pragas, sua aplicação
tem permitido o desenvolvimento de variedades mais tolerantes a
estresses ambientais.
Arroz antioxidante
Além disso, em junho, cientistas da Universidade Agrícola do Sul da
China publicaram, no periódico científico Molecular Plant, um estudo com
uma variedade de arroz geneticamente modificada para conter altos níveis de antioxidantes,
que combate o envelhecimento celular e pode reduzir o risco de câncer,
doenças cardiovasculares e diabetes. A equipe do professor Yao-Guang Liu
desenvolveu uma técnica de engenharia genética capaz de transferir
diversos genes de uma só vez para duas variedades do cereal: o japônico,
cultivado no Japão e na Coreia do Sul, e o índico, plantado em países
como Índia, Paquistão e Indonésia.
Com oito novos genes (dois do milho e seis do cóleus – uma espécie de
planta), o arroz GM ganhou uma coloração roxa e passou a produzir altos
níveis de antocianina, substância que dá pigmentação roxa ou
avermelhada a muitas flores e frutas (como açaí, jabuticaba e cereja) e
que é capaz de proteger o organismo contra a ação oxidante dos radicais
livres, responsáveis pelo envelhecimento das células.
Embora as antocianinas sejam naturalmente abundantes em algumas
variedades de arroz negro e vermelho, elas estão ausentes em grãos de
arroz polido porque a casca, o farelo e o embrião são removidos para o
consumo. Nesse caso, fica apenas o endosperma (parte da semente cuja
função é nutrir o embrião), que não possui essa substância. Além do
potencial de desenvolver um alimento mais nutritivo, essa pesquisa é
importante porque tentativas anteriores de expressar a antocianina no
arroz falharam. Agora, finalmente, os cientistas acreditam que
encontraram uma solução para esse desafio e devem fazer, em breve, os
testes de biossegurança do arroz transgênico.
E o bambu?
A China também tem trabalhado em parceria com o Brasil para aumentar o
envio de material genético de variedades chinesas de bambu ao País. No
dia 17 de outubro, a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia recebeu,
em Brasília, uma delegação chinesa composta por nove membros da
Academia Chinesa de Silvicultura, incluindo o vice-presidente da
entidade, Huang Jin. Além da capital federal, a visita incluiu São
Paulo, Acre e Amazonas.
O projeto envolverá pesquisas de adaptação de espécies chinesas às
condições brasileiras, caracterização genética, conservação e técnicas
de multiplicação in vitro. A China é hoje o maior produtor mundial de
bambu, movimenta cerca de US$ 30 bilhões só na construção civil e tem
mais de 450 produtos e tecnologias patenteados, além de milhares de
estudos em andamento, em setores como alimentação, arte, arquitetura,
fabricação de papel e vestuário. Já o Brasil concentra a maior
biodiversidade de bambu das Américas e uma das maiores do mundo, com
cerca de quatro milhões de hectares de florestas apenas na Amazônia e
mais de 230 espécies nativas em praticamente todas as regiões do País.
Postado por Hadson Bastos
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