No pós-guerra, pesquisadores fundaram em São Paulo associação que iniciou onda de criação de instituições de pesquisa
Nacionalismo
“A SBPC tentou mostrar que a ciência, como a cultura, deveria fazer parte da identidade do país, como os povos de origem germânica no final do século XVII mostraram que a ciência, a cultura e a língua eram elementos de unificação nacional”, diz Videira. Ele destaca outro aspecto do contexto histórico e científico da criação dessas instituições: “Os cientistas viram que, além de ciência, tinham de fazer política”. Maria Amélia, da USP, reitera: “A geração de cientistas que criou a SBPC era profundamente nacionalista e otimista e estava convencida de que a ciência deveria ajudar a melhorar o país”.
A partir de 1949, com a primeira das sucessivas reuniões anuais, realizada em Campinas, e a publicação da revista Ciência e Cultura, a associação de cientistas começou seu trabalho de divulgação científica para públicos amplos. De modo similar, desde 1935 o Instituto Biológico publicava a revista mensal O Biológico, escrita pelos próprios pesquisadores, em linguagem simples, e dirigida a produtores rurais. Vários artigos já mostravam o prazer de escrever de José Reis, que mais tarde ganhou visibilidade com sua coluna na Folha de S.Paulo.
REFERÊNCIAS
Não bastaram as referatas, os animados encontros das
sextas-feiras entre os cientistas do Instituto Biológico de São Paulo
com outros intelectuais, artistas e um público geral para tratar de
novidades da ciência e da cultura. Em 1948, em busca de espaços mais
amplos para promover a circulação de ideias, criou-se a Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Priorizando a comunicação
entre pesquisadores, a agremiação ganhou espaço ao lado de instituições
de pesquisa ou de apoio à ciência que emergiram na década de 1950 e
moldaram as formas de produção do trabalho científico válidas ainda hoje
no país.
“A SBPC foi uma forma de autoafirmação dos cientistas de São Paulo”,
observa a historiadora da ciência Maria Amélia Mascarenhas Dantes,
professora sênior do Departamento de História da Faculdade de Filosofia
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).
O Rio de Janeiro era a capital do país e tinha maior visibilidade
científica. São Paulo, porém, já tinha o que mostrar. Em prédios
espalhados pela cidade, já funcionava a USP, criada em 1934, e o
Instituto Biológico, de 1927, que era então um dos centros de pesquisa
mais importantes do país. Lá estavam pesquisadores egressos do Instituto
Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro, como o médico Henrique Rocha Lima
(1879-1956), diretor científico do instituto, que havia trabalhado com
Oswaldo Cruz (1872-1917), Adolfo Lutz (1855-1940) e Carlos Chagas
(1879-1934) e identificado a bactéria Rickettsia prowazekii como a causadora do tifo quando estivera na Alemanha (ver Pesquisa FAPESP nº 231).
Em 1948, um dos fundadores da SBPC, o médico e farmacologista Maurício
Oscar da Rocha e Silva (1910-1983), então no Biológico, e seu colega
Wilson Teixeira Beraldo (1917-1998), na USP, identificaram a molécula de
bradicinina, um poderoso vasodilatador mais tarde usado em medicamentos
para controle da hipertensão arterial.
O físico César Lattes em 1948, ao regressar da Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos
Apesar da origem paulista, a nova associação começou com 256
sócios-fundadores de todo o país. Um ano depois havia 352 associados,
“embora a composição dos membros estivesse quase inteiramente restrita a
pesquisadores de ciências exatas e naturais”, observou Ana Maria. Hoje a
SBPC tem cerca de 5 mil membros, depois de chegar a 16.700 na década de
1980. A Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS), uma
das fontes de inspiração da SBPC, começou em 1849 com 78 membros e
atualmente reúne cerca de 120 mil.
Em uma primeira reunião, em maio de 1948, o biólogo Paulo Sawaya
(1903-2003), da USP, Rocha e Silva e o médico José Reis (1907-2002), do
Instituto Biológico, decidiram convidar os colegas cientistas para
fundar uma associação inspirada em agremiações similares do Reino Unido,
da Argentina e dos Estados Unidos. Rocha e Silva tinha visto como os
cientistas norte-americanos e britânicos se organizavam quando trabalhou
nos Estados e Unidos e na Inglaterra, entre 1940 e 1946. O grupo
cresceu quando se reuniram um mês depois, na Associação Paulista de
Medicina, e formaram uma comissão para redigir os estatutos.
O biólogo Paulo Sawaya, professor da USP e um dos fundadores da SBPC
Em 8 de julho, o estatuto foi aprovado e a nova associação formalizada,
com a presidência do advogado e professor da USP Jorge Americano
(1891-1969). Rocha e Silva assumiu como vice-presidente, Sawaya como
tesoureiro e Reis como secretário-geral. Os primeiros documentos
definiam a missão da SBPC: defender a ciência e a independência do
pesquisador brasileiro, aumentar a cooperação entre as equipes dos
centros de pesquisa e facilitar a compreensão da ciência por
especialistas de outras áreas, por meio de publicações, cursos,
intervenções junto aos governos e encontros entre cientistas e o público
geral.
Em 1948, a situação da pesquisa básica no Brasil “era nitidamente
desfavorável, se comparada com a das ciências de aplicação, a medicina e
a tecnologia, por exemplo”, comentou Rocha e Silva em um discurso na
abertura da 10ª reunião anual da SBPC, realizada em junho de 1958 no
prédio da USP da rua Maria Antônia, no centro da cidade, e no campus
do Butantã. “Os escritores, os artistas, os poetas, além dos médicos e
metalurgistas, tinham todos os seus congressos bem organizados”, disse
ele. “Os cientistas permaneciam indiferentes aos trabalhos de seus
colegas, que só eram lembrados nas horas de briga, para se desfazerem
uns dos outros.”
O médico José Reis, pesquisador do Instituto Biológico, também estava entre os criadores da entidade (Acervo José Reis / Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz)
As circunstâncias, porém, favoreciam a ciência. “Após a Segunda
Guerra Mundial, principalmente nos Estados Unidos, a ciência foi
entendida como uma forma de segurança nacional”, diz o filósofo e
historiador da ciência Antonio Augusto Passos Videira, professor da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). “Os militares e
políticos brasileiros estavam convencidos de que não haveria como
garantir a soberania nacional sem desenvolvimento científico.” Como
exemplo desse interesse, o marechal Henrique Lott (1894-1984), quando
trabalhava como adido militar da embaixada brasileira em Washington, de
1946 a 1948, mandava informes ao governo sobre as estratégias dos
Estados Unidos para enfrentar a Guerra Fria, que incluía a valorização
da ciência e da tecnologia.
“Os Estados Unidos aceleraram a formação de físicos e os cientistas
em geral começaram a ser vistos como mão de obra necessária do país”,
observa Videira. “O apoio dos militares à ciência, em especial à energia
atômica, explica a rapidez com que as instituições de apoio à ciência
foram criadas.” A física nuclear estava em evidência. A grande estrela
na época no Brasil era o físico César Lattes (1924-2005), que em 1948
participara da descoberta da partícula elementar méson-pi, que o tornou
mundialmente conhecido (leia mais sobre Lattes na entrevista com Igor Pacca, na página 28, e em Pesquisa FAPESP nº 110).
O interesse por essa área facilitou a criação do Centro Brasileiro de
Pesquisas Físicas (CBPF) no Rio de Janeiro em janeiro de 1949; em agosto
desse ano começou a funcionar a Escola Superior de Guerra, também no
Rio.
Em 1948, um projeto de lei prevendo a criação de um conselho nacional
de pesquisa não avançou. Nos anos seguintes, como resultado da
articulação promovida pela ABC e pelo almirante Álvaro Alberto da Mota e
Silva (1889-1976), começou a ganhar corpo um órgão para gerir
inicialmente a política governamental de energia atômica, o Conselho
Nacional de Pesquisa. Instituído formalmente em 1951, foi depois
renomeado Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), como relatado pela historiadora Ana Maria Ribeiro de
Andrade, pesquisadora aposentada do Museu de Astronomia e Ciências
Afins (MAST), em um artigo de 2001 na revista Parcerias Estratégicas.
Em 1951 começou a funcionar também a Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes), criada pelo educador Anísio Teixeira
(1900-1971).
O historiador Heráclio Duarte Tavares, pesquisador da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), argumentou em um artigo de 2015 na
revista Contemporânea que o apoio dos militares, incluindo
Lott, foi importante também na criação do Instituto de Física Teórica de
São Paulo (IFT), que começou a funcionar em junho de 1952 e depois foi
incorporado à Universidade Estadual Paulista (Unesp). Em agosto desse
ano foi criado no Rio de Janeiro o Instituto de Matemática Pura e
Aplicada (Impa).
Instituto Biológico: Centro de Memória do Instituto Biológico
Nacionalismo
“A SBPC tentou mostrar que a ciência, como a cultura, deveria fazer parte da identidade do país, como os povos de origem germânica no final do século XVII mostraram que a ciência, a cultura e a língua eram elementos de unificação nacional”, diz Videira. Ele destaca outro aspecto do contexto histórico e científico da criação dessas instituições: “Os cientistas viram que, além de ciência, tinham de fazer política”. Maria Amélia, da USP, reitera: “A geração de cientistas que criou a SBPC era profundamente nacionalista e otimista e estava convencida de que a ciência deveria ajudar a melhorar o país”.
A partir de 1949, com a primeira das sucessivas reuniões anuais, realizada em Campinas, e a publicação da revista Ciência e Cultura, a associação de cientistas começou seu trabalho de divulgação científica para públicos amplos. De modo similar, desde 1935 o Instituto Biológico publicava a revista mensal O Biológico, escrita pelos próprios pesquisadores, em linguagem simples, e dirigida a produtores rurais. Vários artigos já mostravam o prazer de escrever de José Reis, que mais tarde ganhou visibilidade com sua coluna na Folha de S.Paulo.
REFERÊNCIAS
Artigos científicos
SILVA, M. R. e. Dez anos pelo progresso da ciência. Ciência e Cultura. v. 10, n. 4, p. 197-203. 1958.
ANDRADE, A. M. R. de. Ideais políticos. A criação do Conselho Nacional de Pesquisas. Parcerias Estratégicas. v. 11, p. 221-42. jun. 2001.
TAVARES, H. D. O Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e o Instituto de Física Teórica sob a ótica militar. Contemporânea. v. 6, n. 6, p. 67-82. 2015.
SILVA, M. R. e. Dez anos pelo progresso da ciência. Ciência e Cultura. v. 10, n. 4, p. 197-203. 1958.
ANDRADE, A. M. R. de. Ideais políticos. A criação do Conselho Nacional de Pesquisas. Parcerias Estratégicas. v. 11, p. 221-42. jun. 2001.
TAVARES, H. D. O Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e o Instituto de Física Teórica sob a ótica militar. Contemporânea. v. 6, n. 6, p. 67-82. 2015.
Livro
FERNANDES, A. F. A construção da ciência no Brasil e a SBPC. Brasília: Editora UnB, 2ª ed. 2000.
FERNANDES, A. F. A construção da ciência no Brasil e a SBPC. Brasília: Editora UnB, 2ª ed. 2000.
Postado por Cláudio H. Dahne (Ciências Biológicas - UFC)
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