As células das plantas usam proteínas semelhantes aos recetores de glutamato - um neurotransmissor - que existem nos neurónios dos animais, para construir redes de comunicação. A descoberta é tema de capa da revista "Science" desta sexta-feira
Capa da revista "Science": imagem de microscopia de fluorescência de uma flor de Arabidopsis, uma pequena planta herbácea usada na investigação da equipa de cientistas portugueses Pedro Lima e José Feijó.
Um estudo feito por investigadores portugueses da Universidade de Maryland (College Park, EUA) e do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), liderados por José Feijó, propõe um novo modelo de comunicação para as células das plantas, em que cada célula contém uma complexa rede que se baseia em proteínas semelhantes aos recetores de glutamato existentes nos neurónios dos animais.
O estudo é tema de capa da edição da revista "Science" que será publicada esta sexta-feira, 4 de maio. O glutamato é um aminoácido e um neurotransmissor nos animais, que desempenha um papel importante na aprendizagem e na memória.
Todos os organismos reagem constantemente a estímulos para se conseguirem desenvolver e adaptar a diferentes situações ambientais. Para que esta resposta seja eficaz, tem de haver um sistema de comunicação eficiente ao nível das células. No entanto, ainda se desconhecem muitos aspectos sobre a linguagem com que é feita esta comunicação, explica um comunicado do IGC.
É um mistério para os cientistas por que razão as plantas têm tantos receptores semelhantes aos receptores de glutamato (GLR na sigla em inglês) que existem nos neurónios dos animais. Nestes, os GLR desempenham um papel essencial na comunicação entre neurónios, ajudando na transmissão dos sinais nervosos de um neurónio para o outro. Parte da sua função consiste em permitir que o cálcio entre dentro dos neurónios para que o sinal nervoso seja comunicado. Se os GLR não funcionarem corretamente, podem surgir problemas cognitivos ou neurodegenerativos. Mas as plantas não têm sistema nervoso e aqui os GLR parecem desempenhar um papel ao nível da reprodução, crescimento e defesa contra doenças e pragas.
REGULAR OS NÍVEIS DE IÕES DE CÁLCIO EM CADA CÉLULA
A equipa de José Feijó, ex-investigador principal do IGC que trabalha hoje na Universidade de Maryland (UMD), usou células de pólen da Arabidopsis thaliana – uma pequena planta herbácea usada como organismo modelo para estudos de biologia das plantas – e concluíu que os GLR têm um papel essencial na comunicação nas células das plantas. Os receptores atuam de forma a controlar o “volume das palavras” que cada compartimento da célula processa. Estas “palavras” são iões de cálcio, essenciais para a resposta ao stresse ambiental e para a imunidade a infeções causadas por insetos ou fungos. Os cientistas descobriram que os receptores GLR conseguem regular os níveis de iões de cálcio que existem dentro da célula.
“A concentração de cálcio é um dos mais importantes parâmetros dentro de todas as células e está tão bem regulada que permite às células codificarem informação. Por outras palavras, o cálcio é a língua franca da comunicação celular,” explica José Feijó, acrescentando que o cálcio é também vital para a função dos neurónios em animais.
Os investigadores da UMD e do IGC procuraram o mecanismo que estava na base da comunicação das células. Michael Wudick, primeiro autor do estudo que será publicado na "Science", e o resto da equipa, descobriram que os GLR são transportados de uma localização para outra dentro da célula. E o transporte depende de outras proteínas, conhecidas por cornichons, que também regulam a atividade dos GLR no controlo do cálcio e atuam, ligando e desligando os GLR como uma válvula, em resposta a alterações nas condições existentes dentro da célula. Assim, a célula consegue ter uma rede de proteínas que asseguram de forma eficiente que vários compartimentos dentro dela mantêm diferentes concentrações do ião cálcio.
“Os nossos resultados sugerem que os receptores GLR são de facto redistribuídos para outros compartimentos dentro das células das plantas, formando uma rede complexa que coopera para regular as concentrações de cálcio e permitir a sinalização de cálcio", esclarece José Feijó. "Isto é uma descoberta que abre completamente novos caminhos para a compreensão da sinalização de cálcio”.
MODELO DE COMUNICAÇÃO EM ANIMAIS É DIFERENTE
O novo modelo de comunicação para as células das plantas agora descoberto é completamente diferente do encontrado em animais. Nestes os neurónios usam recetores de glutamato para conduzir sinais de célula para célula, mas as plantas dependem de estratégias de comunicação que operam dentro de cada célula. “E as células individuais das plantas têm um maior nível de autonomia do que as células animais”, considera José Feijó.
Mas qual é a utilidade desta descoberta? "Uma melhor descodificação do processo de comunicação em plantas pode resultar em testes fidedignos para diagnosticar doenças, deficiências de nutrientes e outras patologias em plantas", argumenta o comunicado do Instituto Gulbenkian de Ciência. "Essas medidas podem ainda ajudar a assegurar a qualidade e segurança dos alimentos, à medida que as alterações climáticas e outros agentes que causam stresse têm um custo nas principais produções agrícolas".
A investigação que vai ser divulgada na revista "Science" foi iniciada pelo grupo de José Feijó no Instituto Gulbenkian de Ciência, tendo sido continuada e concluída na Universidade de Maryland depois de todo o grupo se mudar para esta instituição americana. O grupo contou também com a colaboração de Investigadores da Universidade Nacional Autónoma do México.
Enviado pelo doutorando Vanir Reis (Biotecnologia de Recursos Naturais - UFC)
Postado por Cláudio H. Dahne (Ciências Biológicas - UFC)
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